Deixámos a Condessa e Rytmel apaixonados. Há uma ponta de loucura nessa relação. Propositadamente Ramalho e Eça demarcam-se das soluções tradicionais quanto às heroínas de folhetim.
Luísa não faz parte do rol tradicional de quem se deixa arrastar pela força do destino. Luísa tem a sua vontade e afronta os limites. Ensaia uma fuga romântica, num iate. A solução é afastada por demasiado previsível e terrivelmente incerta. Receosa de perder o controlo da situação Luísa vive atormentada pelo ciúme. Será que o capitão a considera como um estratagema passageiro?
Num momento tremendo de vertigem e de loucura, a condessa, insegura e angustiada, para tentar ver os papéis de Rytmel, ministra ao amante uma dose de ópio, que se revela excessiva. E o capitão perde a consciência e morre inesperadamente de overdose. Luísa fica desesperada, mas pondera uma saída racional de modo a camuflar o homicídio. Conta, por isso com a ajuda dos amigos, a quem explica em pormenor por escrito a complexa história, num racional, longo e inexorável exame de consciência. É essa a estrutura fundamental do romance, desenvolvido através de uma sucessão de cartas, dos dois autores, de formações e perspetivas diferentes.
Ramalho Ortigão segue mais de perto a solução tradicional dos folhetins românticos. Eça de Queiroz, leitor de Zola e da escola realista, procura libertar-se do método. E assim deparamo-nos no mesmo texto com duas perspetivas que demonstram como a geração de 1870 (e estamos em 1870) soube assumir uma especial originalidade, libertando-se de uma perspetiva de escola. E há uma armadilha lançada ao leitor desprevenido: parte-se do exagero caricatural do género folhetinesco, procurando introduzir a novidade realista-naturalista. Não vamos discutir a eficácia ou o sucesso. Mais tarde os dois escritores considerarão que a obra ficou aquém do desejável, mas hoje podemos fazer a autópsia, percebendo as hesitações e contradições da geração, através dos dois autores mais distantes entre si. Contudo, ambos estão deslumbrados pela condessa loura e voluntariosa, que não obedece ao modelo da adúltera dos folhetins sentimentais, aproximando-se de Bovary (1856) ou de Karenina (1875-77).
Luísa torna-se um paradigma especial, que se perde nas aventuras que foram engendradas com perda evidente da coerência romanesca. Eça e Ramalho reconhecerão que o carácter folhetinesco levou a uma perda de força, originalidade e autenticidade do romance. No entanto, sobressai a originalidade de Luísa, que é um exemplo premonitório que contrasta com a outra Luísa, a de Basílio. “Os seus olhos eram de um azul profundo como o da água do Mediterrâneo. Havia neles bastante império para poder domar o peito mais rebelde; e havia bastante meiguice e mistério, para que a alma fizesse o estranho sonho de se afogar naqueles olhos. (…) Os seus movimentos tinham aquela ondulação musical, que se imagina do nadar das sereias. De resto, simples e espirituosa”.
Estamos perante a aparência romântica servida em tom severamente crítico e satírico. E a confissão de Luísa pressupõe os ecos modernos: “Eu já não sou alguém. Não existo, não tenho individualidade. Não sou uma mulher viva, com nervos, com defeitos, com pudor. Sou um caso, um acontecimento, uma espécie de exemplo. Não sou uma mulher, sou um romance”. A sua lucidez autocrítica não condiz com a fragilidade de caráter, típica da lógica dos folhetins vulgares. E o epílogo aproxima-se.
Agostinho de Morais