Aqui estamos nós! Neste ponto, temos uma interrogação. Mais importante do que saber qual o desenlace do folhetim idealizado como um entretimento ou uma brincadeira por Ramalho e Eça, importa saber qual a pergunta que está subjacente a todo o folhetim. Do vaqueiro do Monólogo da Visitação (ou do Auto da Lusitânia de Todo o Mundo e Ninguém) até às dúvidas de Antunes perante Judite, passando por Fernão Mendes ou pelo próprio Garrett, transformado não em autor, mas em personagem, eis a essência da trama. Mas não ficamos por aqui, uma vez que não podemos esquecer Blimunda e Baltazar no “Memorial do Convento” nem Bernardo Soares e Fernando Pessoa do “Livro do Desassossego” ou Ricardo Reis, junto ao Adamastor. E qual a interrogação? Afinal, sejamos claros: o que significa a portuguesa língua? Tudo o que ficou neste folhetim de folhetins tem a ver com esta pergunta, que é a mesma que Almada Negreiros pintor (como o escritor de “Nome de Guerra”) formula magistralmente nos painéis que visitámos, com um sentido irónico e sério. Do mesmo modo, Ruben A., em “A Torre da Barbela” apresenta com nitidez a panorâmica global sobre tal pergunta sacramental. Quem somos? O que desejamos? O que sentimos? O que queremos, nós falantes da nossa língua comum?
Todas as tardes ao cair da tarde, quando os visitantes abandonavam a visita turística à Torre edificada por D. Raymundo, que nos simboliza, os Barbelas que habitaram esse lugar ao longo dos séculos ressuscitam, trazendo de regresso as suas vivência de antanho. E assim uma torre única triangular com a altura de trinta e dois metros, torna-se palco e representação de um diálogo entre várias gerações de uma família antiga. Os amores e os ódios, as lembranças e as aventuras identificam um longo património cultural e histórico que se traduz na resposta a um enigma apaixonante. Em volta da Torre transfigurada em gente, reúnem-se a parentela moderna e antiga da família, “primos vestidos em séculos diferentes e com bigodes conforme a época”. Entre eles estão Dom Raymundo, poeta e primo de Dom Afonso Henriques, ao lado de quem combateu; o Cavaleiro de aventuras, que percorre os montes com Vilancete, grande garrano da Ribeira de Lima, seguido por Abelardo, o falcão que o auxilia na caça. Isto, além de Frey Ciro, o santo da família, e da bruxa de São Semedo. Os eternos contrastes. Todavia, há ainda a linda D. Mafalda, com imagem e formato de vestidos cópia dos modelos de Watteau e Fragonard, correspondendo-se com William Beckford, o fértil viajante. E há a princesa D. Brites, célebre no século XIX; mas sobretudo Madeleine, a “prima que veio de Paris cheia de cores”. Sim, esse amor do Cavaleiro mais lendário com a sua prima francesa é absolutamente emblemático no culminar desses oito séculos de paixões e de enguias fumadas, com pessoas a falar da véspera, do que já passou outrora e de um lugar, que nos representa, onde é impossível fazer qualquer coisa que não tenha sido estabelecida quatro séculos atrás. Mas como é difícil responder a essa pergunta sacramental, com tantos pressupostos e tão diversos perguntadores… Nós mesmos ainda somos em parte os Barbelas, à mistura com o vaqueiro aturdido (pelos arrepelões) ou com a capacidade de encenador e de personagem de A. Garrett ao lado de Ruben A..
E fazemos uma nova e breve pausa. Temos ainda Luísa em suspenso. E perguntamos ao dileto leitor. Que outra pergunta lhe assalta ao espírito, depois de ler esta representação plural das pedras no meio do caminho, que Drummond tão bem nos apresentou. Pedras vivas, as pessoas, pedras mortas, os monumentos, as obras, as artes, as crónicas, natureza que nos rodeia? Todas as tardes, ao cair da tarde, quando os visitantes abandonavam a visita turística à Torre, que vem à baila?
Agostinho de Morais