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(XXII) Rosa Ramalho, vinda das origens

Nesta nossa deambulação, passámos pelo Ribatejo, fomos a Amarante, a casa de Pascoaes, encontrámos Raul Proença e Fernando Pessoa, e chegamos hoje a Barcelos. Mário Cláudio disse o essencial. «No fundo Rosa Ramalho é a figura do norte português, é a fêmea do Norte de Portugal que vem desde a Idade Média. Que se prolonga pelos nossos dias» (“Rosa”, 1988).  As raízes de Entre Douro e Minho trazem-nos a compreensão de mil influências. Mulher de estatura baixa, dona de um olhar intenso, sempre vestida de preto, artista popular de Galegos S. Martinho, o nosso cadinho permite o encontro nesta artista entre o sagrado e o profano, entre a Mãe Natureza e a vivência cristã do mistério, da fantasia e do amor. Rosa Ramalho chamou-se Rosa Barbosa Lopes e nasceu, a 14 de agosto de 1888, no lugar da Cova, na freguesia de Galegos (município de Barcelos), em região de antigas tradições cerâmicas. A origem do nome vem do facto da avó paterna de Rosa, recomendar cuidado para a família não se afastar de casa: “Não saiam daqui do perto, ponham-se à sombra dos ramalhos!” – umas árvores que existiam lá por perto. E assim nasceu a referência do “Ramalho”. Aos sete anos, diz a tradição, foi para casa de uma vizinha que modelava bonecos e começou por fazer tiras para cestas, com o intuito de imitar umas ciganas, por quem tinha passado um dia, e que faziam cestas em vime. O pai, Luís Lopes, era sapateiro, e a mãe Emília Barbosa, tecedeira. Rosa não foi à escola. Aos 18 anos casou com o moleiro António Mota e teve oito filhos, dos quais cinco vingaram. Durante quase cinquenta anos trabalhou com o marido no moinho e criou os filhos, dedicando-se ao barro por puro divertimento e para ilustrar histórias para os filhos, revelando sempre prodigiosa criatividade.

Com a morte do marido, em junho de 1956, com 68 anos, abandonou a profissão de moleira e encontrou no barro o modo de se exprimir – o que lhe permitiu encontrar um novo sustento, sobretudo em face na recetividade de quantos apreciavam a sua arte. Começou a frequentar feiras e romarias, principalmente, pela região do Porto. Foi então que despertou a curiosidade de mestres e estudantes da Escola Superior de Belas Artes do Porto. A sua presença nas feiras e a curiosidade da televisão e da imprensa, bem como a atenção de poetas e artistas levou ao conhecimento público desta expressão genuína do artesanato português. Tudo foi muito rápido. Em 1958, Jaime Isidoro desenhou “RR” num papel e disse-lhe que aquelas duas letras significavam o seu nome e que seriam o suficiente para que as suas peças fossem reconhecidas e tivessem um símbolo de autenticidade. A partir daí, todos os bonecos de Rosa passaram a ter esse monograma, referência decisiva para a afirmação da identidade do seu artesanato.

Rosa ganhou popularidade. Começou por fazer figurado em “chacota” (barro por cozer) pintada de verde, vermelho e azul e sem pintura. Só mais tarde recorreu ao vidrado, principalmente o castanho melado, revelando uma grande criatividade, inspirada em cenas do quotidiano popular, como a matança do porco, mulheres nos carros de bois, pombas, músicos, assim como, peças influenciadas pelo mundo místico das procissões, santos e anjos. Para além destas, produziu uma vasta obra ligada ao universo infantil e ao que designava como “mundo dos monstros” – lobisomens, feiticeiras, diabos, bichos informes, que marcaram um imaginário enigmático e original, ligado às origens míticas tradicionais, do fundo céltico. Esta vertente da sua obra, fantasmagórica e inimaginável, distinguiu-a de tantos outros barristas desta região, dando-lhe um reconhecimento público que, ainda hoje é notório. Com inúmeras exposições por todo o país e além-fronteiras, Rosa era procurada na sua própria casa, onde a maior parte das suas peças eram muito disputadas. A fama não lhe mudou a vida. Continuou ela própria, pobre, humilde, simpática, com gestos genuínos e simbólicos. Faleceu a 24 de setembro de 1977, aos 89 anos, mas a sua obra continua a ser uma referência, prosseguida pela sua família.

GOM

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