Mais 30 Boas Razões para Portugal

(XXI) De “A Águia” a “Orpheu”

Quando lemos os autores que animaram o movimento da “Renascença Portuguesa”, verificamos que nesses anos de 1910 a 1912, a República procurou responder ao desânimo nacional que sucedeu ao Ultimato inglês, que foi uma humilhação coletiva, pela criação de uma capacidade política e constitucional capaz de dar ânimo a um País profundamente dividido entre o cosmopolitismo urbano e o provincianismo castiço e tradicionalista.

O Padre António Vieira falou de um Quinto Império que pudesse evitar os erros do Império que desfaleceu em Alcácer Quibir, D. João IV tentou recuperar forças que pemitissem passarmos de uma “Corte na Aldeia” a um tempo de criação de riqueza e de respeito do mundo civilizado. Ao Império das Índias sucedeu, porém, o ouro e os diamantes do Brasil, sem que pudesse ter-se organizado o país com energias próprias. E a ilusão da riqueza e da luxúria deram lugar ao grande desastre de 1755. Sebastião José quis organizar um Império esclarecido e baseado no trabalho e na indústria. Mas o drama do Infante D. Pedro e do Principe Perfeito repetiu-se. A fragmentação política impediu a fixação das riquezas. Os ingleses ajudaram-nos contra Napoleão, mas a independência do Brasil determinou um dilema: como garantir a independência e a liberdade?

A Revolução liberal de 1820 e depois as guerras civis levaram a que o cosmopolitismo urbano vencesse. Garrett e Herculano foram os anunciadores de que a cultura poderia vencer pela vontade. O romantismo de Júlio Dinis e Camilo abriu caminho ao sonho de uma “Vida Nova” de Antero, Eça e da Geração de 1870. O centenário de Camões em 1880 acordou a necessidade de uma vontade emancipadora. Depois do Ultimato inglês e do sobressalto republicano, os movimentos culturais como a “Renascença Portuguesa” (1912) e “Orpheu” (1915) lançaram as bases do que culturalmente somos hoje: país emancipado, plural, democrático que assume a sua história, nos seus claros e escuros. Houve avanços e recuos, virtudes e defeitos. E olhando para trás recordamos a polémica entre Teixeira de Pascoaes e Raul Proença, sobre o sentido da “Renascença Portuguesa”. Havia que compreender que uma cultura se afirma pela diversidade como Eduardo Lourenço ensinou – com tradição e modernidade.

Disse Pascoaes no “seu” manifesto: “Já brilha a estrela da nova Manhã! Chegou, na verdade, o momento divino de todos os bons portugueses colaborarem na grande obra da nossa Renascença! (…) Este apelo que fazemos aos portugueses por isso mesmo que nos sai da alma há de ser ouvido. E Renascença Lusitana neste instante em que apresenta ao povo a sagrada ideia que anima, espera firmemente que se reunam em volta dela todas as almas esperançosas que sentem em si o germinar duma nova vida, o acordar de um novo alento criador de beleza, de justiça e de bondade, os três elementos constitutivos de uma verdadeira civilização”. E, em contraponto, Raul Proença propunha ao povo: “Que fazer então? Pôr a sociedade portuguesa em contacto com o mundo moderno, fazê-la interessar pelo que interessa os homens de lá fora, dar-lhes o espírito atual; a cultura atual sem perder nunca de vista, já se sabe, o ponto de vista nacional e as condições, os recursos e os fins nacionais. Temos de aplicar a nós mesmos, por nossa conta, esse espírito do nosso tempo, de que temos estado tão absolutamente alheados. Os problemas são variadíssimos: educativos, económicos, morais, literários, artísticos, financeiros, militares, coloniais. A escola, o livro, a revista, o planfleto, o manifesto, a conferência, a exposição, o inquérito, a viagem de informação, de estudo – tais são os meios que temos ao nosso alcance. Por eles diligenciaremos criar em Portugal estas duas coisas absolutamente novas: uma élite consciente, uma opinião pública esclarecida. (…) É preciso que nos habituemos à ideia que o progresso duma nação se faz mais pelo esforço individual do que pelas providências governativas”. Os dois textos completam-se. A sociedade moderna tem de ter os dois elementos.

E, ao lançar o “Orpheu”, nascido como a “Seara Nova” ou os “Homens Livres” (ligando em 1923 o Pelicano e a Seara, com António Sérgio como redator principal), a partir do impulso de “A Águia”, Fernando Pessoa disse a Camilo Pessanha sobre “Orpheu”: “É uma revista, da qual saíram já dois números; é a única revista literária a valer que tem aparecido em Portugal, desde a “Revista de Portugal”, que foi dirigida por Eça de Queirós. A nossa revista acolhe tudo quanto representa a arte avançada; assim é que temos publicado poemas e prosas que vão do ultra-simbolismo até ao futurismo. Falar do nível que ela tem mantido será talvez inábil, e possivelmente desgracioso. Mas o facto é que ela tem sabido irritar e enfurecer, o que, como V. Exa. muito bem sabe, a mera banalidade nunca consegue que aconteça. Os dois números não só se têm vendido, como se esgotaram, o primeiro deles no espaço inacreditável de três semanas. Isto alguma coisa prova – atentas as condições artisticamente negativas do nosso meio – a favor do interesse que conseguimos despertar”.

E assim se lançaram as bases da sociedade aberta que somos e queremos continuar a ser… 

GOM

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