Cheguei à secção dos mapas. Procurei um próximo do nosso tempo, mas tive dificuldade, uma vez que as edições eram inglesas e francesas, mas não a que eu desejava. Fiquei, por isso a deleitar-me com uma versão de 1502… Falo do planisfério, dito de Cantino. É a cópia de um mapa de grandes dimensões que estava na sala das cartas da Casa da Guiné e da Mina, onde se administrava a exploração e a colonização dos territórios descobertos à ordem do Rei de Portugal. Provavelmente, Alberto Cantino, espião ao serviço do Duque de Ferrara, subornou um cartógrafo português, ou conseguiu que um ilustrador italiano reproduzisse clandestinamente esta preciosidade da altura. Conta-se a pequena história de que Cantino pagou doze ducados pela carta e recebeu do Duque de Ferrara vinte ducados por tê-la conseguido. Junto da gravura que tenho, feita no século XIX, a cores, encontrei um pequeno caderno de capa vermelha, onde anotei os roteiros de Corto Maltese, que a seguir reproduzo… «Nasceu o maltês, descendente de um português, grão mestre da Soberana Ordem de Malta, em La Valetta, em 1887, e foi com sua mãe para Gibraltar, tendo ainda vivido no Bairro judeu de Córdova e frequentado, por influência do Rabbi Ezra Toledano, em Malta, a escola judaica… A vida aventurosa começou cedo. Em 1900, com treze anos, encontrámo-lo na China, aquando da revolução Boxer. Em 1904, com dezassete, embarca em Malta, como marinheiro do “Golden Vanity” e faz um percurso longo: Ismailia (Egipto), Aden, Mascate (onde encontra a memória da presença portuguesa no Gofo Pérsico em Oman), segue para Karachi, Bombaim ou Boa Baía, cidade que foi dada pelo rei de Portugal como dote de D. Catarina de Bragança aquando do casamento desta com Carlos II, (referências dos portugueses no bairro de Mazagão), Colombo (em plena Taprobana, Ceilão), Chenai, (Madras), Rangun (Mianmar), Singapura, Kowloon (Hong Kong), Xangai e Tien-Tsin. Rumo à Manchúria – Corto encontra-se com Jack London (1876-1916) e com o homónimo do monge louco russo, Rasputine, em plena guerra Russo-japonesa. Em 1905 está nas Celebes, a oeste de Bornéu, no mar partilhado pela Indonésia, Filipinas e Malásia. E segue para a América do Sul: Chile, Argentina, e entusiasmando-se com a Patagónia. Regressado à Europa, em Ancona, encontra-se de novo com Jack London e descobre Eugene O’Neill (1888-1953). Entre 1908 e 1913 faz um périplo fantástico – Marselha, Trieste (onde encontra James Joyce) e Tunísia. Parte para América do Sul, envolvendo-se na magia de Salvador da Bahia, e depois nas Antilhas e Nova Orleães – e volta para a Ásia – Índia e China, com especial atenção à Indonésia, Java, Samoa e Tonga. É o tempo da “Balada do Mar Salgado”. É a convulsão do primeiro conflito mundial. Corto embrenha-se no Pacífico, na Nova Guiné, e segue para o Chile (Iquique), Peru (Callao) e Equador. No Panamá Corto e Rasputine separam-se, porque este tem cabeça prémio nos EEUU. E em 1916 Maltese viaja pela América Latina, Guiana francesa e Suriname. Em 1917 o cenário é o das Antilhas, Belize, Maracaibo, Venezuela, Honduras e Amazonas ocidental, perto dos Andes. 1917 é o tempo dos celtas em Veneza e Dublin e no ano seguinte: França, Iémen, Somália e Etiópia. Passada a página da guerra sangrenta, o percurso é Xangai, Manchúria, Mongólia e Sibéria. É a estranha missão da sociedade secreta chinesa das Lanternas Vermelhas, de recuperar o tesouro da família imperial russa que se encontra na posse do almirante Kolchak. Com Rasputine segue entre a Sibéria e Hong-Kong. Regressa à cidade dos Doges e o mundo onírico invade a narrativa, 1921. Em Rodes vai estudar, de outro modo, a viagem de Marco Polo, desta vez para tentar descobrir o fabuloso tesouro de Alexandre, o Grande. A Turquia, o Irão e a URSS estão a criar-se. É “A Casa Dourada de Samarcanda”, a defesa da vida de Rasputine e uma perigosa viagem: Azerbaijão, mar Cáspio, Tadjiquistão, Paquistão, Afeganistão. Corto testemunha a morte do líder dos jovens turcos Enver Pasha. Entre 1923 e 1936, as viagens sucedem-se; Argentina, Suíça (encontro com Hermann Hesse e Tamara Lempicka), Caribe (ainda com Rasputine) em busca de Atlantis; Etiópia com lembrança de Rimbaud em Harar (Etiópia) e ainda encontro com Teilhard de Chardin»… Mas o sistemático pequeno caderno tem mais…
Agostinho de Morais