Foi Francisco Adolfo de Varnhagen na sua “Notícia Descritiva do Mosteiro de Belém” (1842) que usou pela primeira vez o termo “manuelino”, que se afirma e desenvolve numa época especial da cultura portuguesa. A identificação da arquitetura e da decoração do manuelino tem como referência a esfera armilar. “In Deo Spero”, conferida como divisa por D. João II a seu primo e cunhado, futuro rei D. Manuel, interpretada em ligação com a Cruz de Cristo como sinal de desígnio divino para o reinado. A simbologia é exuberante, incluindo cordas torcidas e elementos naturalistas como corais, algas, pinhas, além de elementos fantásticos como dragões, serpentes, sereias e gárgulas. Os símbolos pessoais do Rei estão presentes. É o gótico português que continua ou é diferente? Há continuidade e desenvolvimento. E há paralelismo e diferença relativamente ao plateresco (como é visível no Hospital dos Reis Católicos de Santiago de Compostela). O Mosteiro dos Jerónimos, a porta sul e o claustro, constituem elementos paradigmáticos da referência estilística. Também a Torre de Belém, com o Jerónimos classificada como património da humanidade pela UNESCO, é marca indiscutível. É um gótico flamejante com personalidade própria. E há importantes antecedentes que anunciam a novidade e a especificidade – falamos do Convento de Jesus em Setúbal, mas também da parte final do mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha), o pórtico das Capelas Imperfeitas e de elementos essenciais do Convento de Cristo de Tomar, sobretudo na emblemática janela da Casa do Capítulo. E não esqueçamos a surpresa de Sintra. D. Manuel amava a arte mudéjar e considerava que deveria ligar influências múltiplas. Lembremo-nos dos gomos nas guaritas da Torre de Belém, de influência Omanita e do golfo pérsico. No Palácio da Vila de Sintra descobrem-se as origens de um estilo que se foi apurando e que o revivalismo oitocentista do Palácio da Pena sintetizou sumamente. Vejam-se em Olivença alguns elementos decorativos, que marcam decisivamente uma identidade inconfundível. Um portal, uma janela, uma pequena igreja permitem encontrar referências manuelinas onde menos esperamos. Referindo-nos a nomes, citemos João de Castilho, responsável pela galilé e capela-mor da Sé de Braga; Diogo Boitaca, arquiteto do Mosteiro de Jesus de Setúbal e Mateus Fernandes, na parte final da Batalha, enquanto Castilho, Boitaca e Francisco e Diogo de Arruda intervieram na Torre de Belém, o Castelo de S. Vicente a par de Belém. O Mosteiro de Santa Maria de Belém articula componentes de serviço aos mareantes, cenóbio e mausoléu. É a única igreja do século XVI europeu que consegue a plena isotropia dos elementos no programa das igrejas-salão. As três naves são à mesma altura, cobertas de abóbada única rebaixada, polinervada, assente em oito pilares octogonais esculpidos. O cruzeiro é um espaço unitário com abóbada de berço, apoiada em mísulas e em dois grandes pilares que rematam o corpo da igreja. O transepto apresenta nos topos os túmulos de D. Sebastião e do cardeal-rei D. Henrique, bem como altares de alabastro com frontais em relevo alusivos a São Jerónimo. O Arco triunfal é ladeado por dois púlpitos de pedra, octogonais. Capela-mor coberta por abóbada de berço de caixotões de mármore, possuindo lateralmente, as arcas tumulares de D. Manuel I, D. Maria de Aragão e Castela, D. João III e D. Catarina da Áustria, sobre elefantes de mármore. O grande sacrário de prata é revestido com painéis pintados da Paixão de Cristo e Adoração dos Magos. O manuelino é um tempo. Lembra-nos Herculano a dizer: “Que queremos que se faça acerca dos monumentos? Que se deixem em paz, as pedras pedem repouso”.
GOM