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XII. O Ouro do Brasil e as sequelas de Methuen

Os Tratados de Methuen estabeleceram o acordo de Portugal com a Grande Aliança, formada pela Grã-Bretanha, as Províncias Unidas e o Sacro-Império Romano-Germânico, para enfrentar a Espanha e a França na guerra de sucessão espanhola. À frente das negociações deste tratado estiveram o embaixador inglês John Methuen e D. Manuel Teles da Silva, marquês de Alegrete, do lado português. Portugal não desenvolveria as suas infraestruturas industriais, em especial têxteis (e portanto perdeu a corrida industrial). Contudo, Portugal manteve uma posição política forte num cenário que se revelou fundamental na preservação da integridade territorial do Brasil, num momento em que a exploração do ouro e diamantes ganhou importância. O segundo tratado, assinado em 27 de dezembro de 1703 (popularmente conhecido como “Tratado do Vinho do Porto”, estudado por David Ricardo) incentivou as relações comerciais entre a Inglaterra e Portugal. Os seus termos permitiam que o tecido de lã inglês fosse admitido em Portugal com isenção de direitos; em troca, os vinhos portugueses importados para a Inglaterra estariam sujeitos a um terço a menos do que os vinhos importados da França. Isso foi particularmente importante para ajudar o desenvolvimento da indústria portuária. Como a Inglaterra estava em guerra com a França, tornou-se cada vez mais difícil adquirir vinho e, assim, o Vinho do Porto tornou-se uma bebida muito apreciada.

Pouco tempo antes, dera-se a primeira grande descoberta de ouro no Brasil nos sertões de Taubaté, em 1697, quando o então governador do Rio de Janeiro Castro Caldas anunciou a descoberta pelos paulistas de ouro da melhor qualidade. Iniciou-se então a primeira “corrida ao ouro” da história moderna. O movimento foi tal que em 1720 D. João V limitou a saída de pessoas do noroeste de Portugal, prevendo autorizações especiais e passaportes para outros casos. Chegaram então ao Brasil cerca de dois milhões de imigrantes, de várias origens. A confluência destes dois fatores, incentivo à produção do vinho e descoberta do ouro, determinou uma clara redução da política da fixação, em benefício do transporte, o que atrasou aas manufaturas e a industrialização do país. A descoberta do ouro do Brasil interrompeu, assim, a concretização do desígnio manufatureiro – o qual só viria a ser concretizado algo fugazmente pela política de Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal…

A Europa das Luzes: Portugal e os Estados modernos

Portugal, depois da Restauração da Independência de 1640, saiu enfraquecido, procurando responder às novas circunstâncias em que se encontrava. E assim jogou com a liberdade dos mares e com a relação com a Inglaterra (em plena crise interna britânica de índole constitucional, religiosa e política). Daí as tentativas para criar núcleos economicamente ativos nas zonas de influência, em especial no Brasil, sendo desse tempo a proposta do Padre António Vieira de recorrer aos cristãos-novos e judeus, de modo a refazer o império marítimo, contra a lógica do isolamento a que a Espanha nos quis condenar. E o Prof. Jorge Borges de Macedo refere duas tendências em confronto na política externa portuguesa – uma atlântica, inclinada ao entendimento com a Inglaterra, e outra continental, orientada para uma ligação à França. E se o casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra, procurou pôr fim ao isolamento português, segundo uma opção atlântica, que parecia ser a mais consistente, não podemos esquecer a ambiguidade do casamento de D. Afonso VI com a princesa francesa D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, que viria a originar uma série de acontecimentos que culminariam na deposição do rei e na aclamação de seu irmão, D. Pedro II. “Para Portugal, – refere ainda Borges de Macedo – as boas relações com as potências marítimas apresentavam-se como indispensáveis, uma vez que era por mar que se fazia o comércio externo mais significativo; por aí saíam o vinho, o sal, as frutas, chegavam e partiam as produções coloniais, como sejam o açúcar, o tabaco e os couros”.

Aliás, a participação portuguesa na guerra da sucessão espanhola (1701-1714) é bem ilustrativa dos cuidados estratégicos e da exigência tática. Haveria que acautelar o que restava da influência marítima, sobretudo na América do Sul e no que restava da influência na Índia. E se houve mudança de campo e de partido por parte de D. Pedro II, primeiro ao lado de Luís XIV e da causa dos Bourbons, e, depois de uma aparente hesitação neutralista, na “Grande Aliança”, de Inglaterra, Holanda, Áustria e alguns Estados alemães, a verdade é que a preocupação fundamental estava ligada à necessidade de preservar a relevância de Portugal como potência atlântica. O primeiro Tratado de Methuen (1703) celebrado com a Inglaterra inseriu-se nesta orientação e teve uma influência grande na evolução económica do século XVIII. No entanto, os lucros da comercialização dos produtos canalizados pela economia portuguesa pertenceriam aos grandes comerciantes franceses, ingleses e holandeses. O tratado de Utrecht (1712), no fim da guerra de sucessão, permitiu a Portugal reforçar a sua posição no Brasil – num momento em que se anunciava a riqueza e magnanimidade do ouro…

Enquanto a Grã-Bretanha se tornava paulatinamente a potência marítima hegemónica, Portugal vivia uma fase próspera, com meios de pagamento abundantes, graças ao ouro, e ao resultado das vendas do açúcar brasileiro, dos vinhos e das frutas, e gozava de prestígio internacional, designadamente junto da Santa Sé (com a atribuição do título de “Fidelíssimo” ao monarca português) reforçado pela participação na vitória sobre os turcos em Matapão (1717).

A influência dos Estrangeirados

No século XVII, um conjunto de autores portugueses preocuparam-se com a necessidade de recuperar a posição de Portugal no contexto internacional, não só evitando a subalternização relativamente a Espanha, mas também garantindo a defesa dos domínios ultramarinos e das frotas do Brasil. Estiveram neste caso diversas figuras relevantes em diversos domínios da vida nacional, como: Manuel Severim de Faria, Duarte Ribeiro de Macedo, o Padre António Vieira, o 4º conde da Ericeira, Alexandre de Gusmão, José da Cunha Brochado, o Cardeal da Mota (D. João da Mota e Silva) ou António Ribeiro Sanches. É nestas águas que encontramos também D. Luís da Cunha, autor do célebre Testamento Político. Quando encontramos referências aos estrangeirados, estamos, assim, perante uma corrente política que procurava assegurar uma ligação à chamada “Europa das Luzes”, que procurava seguir as orientações marcantes nos países com maior desenvolvimento, quer pelo culto da racionalidade, quer pelo conhecimento científico. Está nesse caso o Dr. António Ribeiro Sanches, formado nas Universidades de Coimbra e Salamanca, de origem judaica, que D. Luís da Cunha conheceu bem, designadamente num contacto que fez com a Universidade de Leiden (Países Baixos), em diligência feita no ano de 1730 para a aquisição de livros de Medicina e de Filosofia Moderna, destinados à Universidade de Coimbra.

No relatório que produziu, Sanches salientava, porém, que os lentes de Coimbra iriam ter certamente dificuldades em aceitar as novas ideias por exemplo no tocante à Física de Newton ou a moderna medicina experimental, por estarem demasiado dependentes do ensino escolástico. Ribeiro Sanches partiria pouco depois para S. Petersburgo (donde regressaria em 1747) a solicitação da czarina Catarina II, onde exerceu influência significativa. Continuou, porém, a reflexão sobre como modernizar Portugal, o que, segundo o conselho dado a D. Luís da Cunha obrigaria a encontrar alguém com grande influência no Rei que pudesse contrariar as práticas censórias e inquisitoriais e mudar profundamente as mentalidades e os métodos vigentes. Sanches escreveu as “Cartas sobre a Educação da Mocidade” (1759), onde preconizava as urgentes medidas necessárias a ultrapassar os grandes atrasos do país.

Importa referir o exemplo de Luís António Verney, autor do “Verdadeiro Método de Estudar” (1746), leitor dos pensadores britânicos, como John Locke, no qual é feita uma crítica ao ensino rígido e escolástico, devendo proceder-se a uma nova orientação, baseada na inovação e na experiência, devendo a instrução elementar ser ministrada a ambos os sexos e a todas as classes e cabendo ao Erário fomentar e custear as despesas da educação. Refira-se ainda o caso de Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira), o autor da mais severa crítica aos métodos inquisitoriais, que considerava serem a razão do atraso português. Menos preocupado em adotar uma perspetiva pedagógica e reformista, assume essencialmente uma perspetiva de denúncia. Por isso, será condenado pelo Santo Ofício, tendo-se convertido ao protestantismo, escreveu vasta obra crítica entre a qual as Reflexões de Félix Vieira Corvina dos Arcos…  Já Filinto Elísio foi um admirador dos franceses, com o cuidado de evitar excessos galicistas. Clérigo de formação, foi mestre de latim de D. Leonor de Almeida, a marquesa de Alorna (Alcipe). No exílio, com o seu amigo Félix Avelar Brotero, aplaudirá a Revolução Francesa, regressando no ano seguinte a Portugal. O próprio Padre José Agostinho de Macedo, o famigerado Padre Lagosta, foi influenciado pelos ventos estrangeirados, mas tornou-se conhecido pelas diatribes antiliberais e pela linguagem radical. Pertenceu com Bocage à Nova Arcádia, com Cruz e Silva e Reis Quita, onde teve por nome Elmiro Tagídeo, mas deixou uma sombra pouco acolhedora. E D. Luís da Cunha? Há quem ponha dúvidas. Mas não há que as ter, pois foi indiscutivelmente o verdadeiro símbolo de inteligência fulgurante, num tempo de radical mudança.

Agostinho de Morais

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