Os Conventos femininos foram durante séculos um extraordinário alfobre da melhor culinária gastronómica e hoje ainda é nos antigos livros de receitas que descobrimos segredos únicos que nos permitem provar, comer e sonhar por mais (lembre-se o “Livro de Cozinha da Infanta D. Maria”, levado pela neta de D. Manuel para Itália, quando se casou com Alexandre Farnese, em 1565). A razão de ser desta experiência tem a ver com a convergência entre as tradições trazidas pelas meninas de família que vinham para os mosteiros com o melhor que sabiam em matéria de manjares e condimentos. A abundância dos doces feitos de gemas de ovos deve-se ao aproveitamento do que se usava no branqueamento das hóstias para consagração com claras de ovos, mas também ao uso das mesmas claras nos engomados no irrepreensível branco dos hábitos das freiras. Nada se perdia, e sobravam gemas – daí a fabricação de doces em abundância, muito procurados pelas famílias requintadas, que conheciam o segredo das monjas. O caso de Arouca é bem ilustrativo. Aí encontramos um rol fantástico de especialidades: barrigas de freira, morcelas doces, papos de anjo, pães de ló, pães de S. Bernardo, castanhas doces, toucinho do céu, roscas de amêndoa.
Se falo de Arouca, poderia referir todo o litoral norte, com muitas variedades de receitas. Além das monjas e freiras, havia ainda as «moças da ordem», serviçais e laicas, que trabalhavam e ajudavam as freiras mas também serviam as casas senhoriais. Daí o encontro do melhor que poderia produzir-se. Os Conventos eram um verdadeiro espaço social procurado pelas famílias senhoriais das regiões e daí a passagem de informação para além de 1834, data da extinção das ordens religiosas, designadamente através das “moças da ordem”. Vejamos o exemplo do pão de ló: terá sido criado na segunda metade do século XVIII, quando o cozinheiro genovês Giobatta Carbona foi enviado a Espanha pelo marquês Domenico Pallavicino e presenteou o rei Fernando VI espanhol, com um bolo extremamente leve, que designaram por Pan di Spagna. Para outros, a designação vem de um mítico doceiro alemão de nome Loth. No Japão designa-se, por influência portuguesa, por Kasutera, que terá a ver não com Castela, mas com claras em castelo… O pão de ló é diferente de norte para sul: mais seco em Margaride (Felgueiras) e molhado em Ovar e Arouca. A lista da doçaria conventual é interminável. Dou uma dúzia de designações, e não mais: suspiros de Braga, ovos moles de Aveiro, foguetes de Amarante, pasteis do Lorvão, nogados de Semide, tigelada, pasteis de Tentúgal, bom-bocado, queijadas e travesseiros de Sintra, pasteis de Belém, D. Rodrigos e morgados. E por fim falo-vos do extraordinário Abade de Priscos, o Padre Manuel Joaquim Machado Rebelo (Turiz, 29.3.1834 – Vila Verde, 24.9.1930) foi um presbítero católico e gastrónomo português que se destacou pelas suas famosas receitas culinárias, especialmente a do celebrado Pudim Abade de Priscos. Foi pároco da freguesia de Priscos em Braga durante 47 anos, e lá desenvolveu o seu génio gastronómico – sendo segundo a população local, “um homem de grande paladar”.
O Arcebispo D. Manuel Baptista da Costa, conhecedor das suas habilidades culinárias, sempre que alguém importante visitasse Braga convidava o Abade como chefe de cozinha. Um dos segredos do seu afamado pudim estava na utilização da gordura do toucinho. Fazia-se acompanhar de uma maleta recheada de iguarias e temperos desconhecidos, na qual se julgava estar o seu livro de receitas. Contudo, tal livro nunca foi encontrado, porque, segundo o próprio, as receitas estavam na sua memória, nos seus dedos e no seu paladar. Teria sido ele o inventor da célebre francesinha, trazida depois de uma viagem a Paris com o rei D. Luís. Aliás, conta-se dessa relação, que no dia 3 de outubro de 1887, o rei, com a Família Real, foi de visita à Póvoa de Varzim. O Abade foi convidado para dirigir a cozinha e preparar banquete. No fim do real repasto, o monarca mandou chamá-lo à sua presença, querendo saber qual era a composição de certo prato complicado e de sabor delicioso. O Abade sorridente, informou: – “Com licença de Vossa Majestade, era palha, Real Senhor!” – “Palha!?” – obtemperou atónico o Rei – “Então dás palha ao Rei de Portugal?” O Abade baixou os olhos a fingir-se envergonhado e, com sorriso matreiro, esclareceu: – “Real Senhor! Todos comem palha, a questão é sabê-la dar…”. E D. Luís riu a bom rir…
GOM