Dei-me a procurar numa coleção antiga de obras da minha livraria uma representação de Joãzinho das Perdizes, o célebre artífice dos votos e das influências, símbolo do caciquismo, do carneiro com batatas, dos votos arregimentados do tempo do rotativismo, entre Regeneradores e Históricos. A figura foi criada no ano de 1868, o ano atribulado da janeirinha. Descobri-a numa edição da “Biblioteca Escolhida” da “A Morgadinha dos Canaviais – Crónica da Aldeia” de Júlio Dinis, feita na casa de J. Rodrigues & Cª Editores, de 1933, com ilustrações de Alfredo Roque Gameiro. E vejamos a gravura em pormenor. Acolá está ele, o Joãozinho das Perdizes, no centro da ilustração, com as suas suiças desajeitadas, bebendo o seu copo, na vasta assembleia da venda da aldeia. Mestre Bento Pertunhas, acusa o Conselheiro Manuel Bernardo de prometer demais, ao que o brasileiro Eusébio Seabra, de inconfundível vestimenta, obtempera que não o convencem as falas mansas e os anúncios das estradas que vão construir-se, pretendendo-se que existam para benefício de todos. São os mágicos melhoramentos do Conselheiro Fontes (já aqui comparado a Bismarck por Tibúrcio Torres). Mas, o brasileiro é ácido! “Para mim é que ele vem de carrinho…” .
Mas voltemos ao nosso morgado das perdizes. «Tudo por lá era o Sr. Joãozinho: não havia função, rixa, solenidade oficial para que ele não fosse consultado. É que a superioridade do morgado das Perdizes não era daquelas que intimidam e acanham o povo; ninguém hesitava em falar-lhe e em procurá-lo em casa, porque, falando e vivendo com eles o Sr. Joãozinho não constrangia ninguém. Os seus defeitos, a sua vida de feiras e de tavernas eram outras tantas causas a popularizá-lo; justo é porém que se diga que algumas boas qualidades também para isso concorriam. O Sr. Joãozinho não era avarento, nem soberbo. Sentado a beber, e com dinheiro no bolso, não consentia que pessoa alguma, desde o mais rico proprietário até o jornaleiro mais miserável, recusasse tomar assento a seu lado». Naquela roda de debate político, com muita desconfiança por causa das estradas que aí vinham, há prognósticos sobre as próximas eleições gerais. Há um larvar descontentamento ali em Grijó, Vila Nova de Gaia. Desta vez, Joãozinho ainda não sabe como votará. Muitas dúvidas! Talvez seja voto perdido! E o Seabra não está pelos ajustes. E o morgado das perdizes assevera que se os tais homens das bandeirolas tornam a passar nas terras “sempre lhes meço as costas com um marmeleiro que lá tenho, e que já me serviu para varrer a feira de Santo Estêvão. Uns mariolas». Na roda da conversa as queixas desenvolvem-se. «Quando se fala em estradas, já estou a tremer» (disse um dos lavradores) «O que elas vêm cá fazer é cortar-nos os campos, e afinal não sei para que servem».
Depois de nos encontrarmos com diversas figuras marcantes da nossa história constitucional, temo aqui duas genuínas figuras: o conselheiro Manuel Bernardo Mesquita, pai de Madalena, a Morgadinha, que depende da mobilização dos seus apaniguados; e o morgado Joãozinho das Perdizes que vai deixar suspensos os leitores do romance, sem saberem qual o destino político do conselheiro. E é neste ponto que vamos suspender o nosso relato. Não se trata de saber o que aconteceu e que todos muito bem sabemos. Trata-se sim de apurar neste complicado ano de 1868 como vamos desatar o nó que se vai estabelecer, quando um grupo de pundonorosos ilustres pretende salvar a pátria através do primado da virtude!…
Agostinho de Morais