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(VII) O Cancioneiro Geral

O “Cancioneiro Geral” de Garcia de Resende é uma preciosidade na literatura portuguesa. O compilador, nascido em Évora em 1470 e falecido na mesma cidade em 3 de fevereiro de 1536, foi poeta, músico, cronista, desenhador e arquiteto, representando o modelo do homem do Renascimento. Filho de Francisco de Resende e de sua mulher Beatriz Boto, o Pai foi fidalgo da Corte de D. Afonso V, próximo do Bispo de Évora D. Garcia de Meneses, tendo recebido uma Herdade das mãos de D. João II em 1484, na qual sucederia seu filho. Garcia de Resende foi moço da câmara de D. João II em 1490 e secretário particular (moço de escrivaninha) no ano seguinte, funções que desempenhava quando o rei morreu em Alvor (1495). Foi secretário tesoureiro da célebre e faustosa Embaixada enviada por D. Manuel ao Papa Leão X e liderada por Tristão da Cunha (1514). O “Cancioneiro” é constituído por uma rica e bem sortida coletânea poética, impressa em Lisboa em 1516 por Hermão de Campos, agrupando a produção de 289 poetas portugueses e de 29 castelhanos, num total de 1000 composições. Aí se encontram novas formas poéticas como vilancetes, cantigas, esparsas, trovas, em medida velha – redondilha menor ou maior – e ainda um certo número de composições de arte maior (decassílabo e soneto, trazido de Itália por Sá de Miranda). A preciosidade da obra de Resende vem da tradição galego-portuguesa dos cancioneiros trovadorescos, com influência dos cancioneiros castelhanos quatrocentistas, nomeadamente o de Hernando del Castilho. Encontramos autores como João Roiz de Castelo Branco (Cantiga “Partindo-se”), Bernardim Ribeiro, Francisco Sá de Miranda, além do próprio Garcia de Resende. Para este, a obra nasce do objetivo de perpetuar as “cousas de folgar e gentylezas” e a “arte de trovar”, presentes nos serões palacianos e no dia-a-dia da corte. Importaria, assim, respeitar o princípio de não continuar a incúria com que os portugueses registam as coisas “dinas de grande memoria”, votando-as ao esquecimento. Ao invés da poesia trovadoresca, concebida para ser cantada e bailada, os poemas do “Cancioneiro Geral” têm um ritmo próprio alcançado pela sonoridade das palavras e pela organização dos poemas em versos e estrofes. E assim presenciamos a mentalidade e os costumes da corte dos séculos XV e XVI, e tomamos contacto com a poesia palaciana, produzida entre 1440 e 1516, na sua expressão lúdica, com diversos géneros, temas, e tradições literárias. Vive-se a transição entre as épocas medieval e moderna, na qual coexistem a continuidade da poesia medieval, designadamente na dimensão picaresca e nas composições satíricas, além dos géneros específicos como o pranto ou a tenção e a poética amorosa, com os seus excessos dramáticos. Garcia de Resende salienta, aliás, o carácter pioneiro de Gil Vicente no tratamento de questões do quotidiano, assumindo preocupações das duas épocas, medieval e renascentista. Contudo, sente-se no “Cancioneiro” a mudança, traduzida no gosto crescente pela cultura clássica latina, na referência à mitologia, na “aurea mediocritas” e nas tentativas frágeis de poesia épica. Sente-se a presença de Petrarca, manifestada no ideal da perfeição feminina, no platonismo amoroso e num certo panteísmo, que erige a Natureza em companheira próxima, mas também a alusão à “Comédia” de Dante e ao percurso partilhado com Virgílio. De facto, não é possível compreender o século renascentista português sem entender as raízes culturais bem presentes na monumental empresa empreendida por Garcia de Resende.

GOM

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