Uma peça do Museu Oriente
O CNC destaca aqui quinzenalmente uma peça do Museu do Oriente, parceiro no portal www.e-cultura.pt.
Personagem mogol
Índia, primeira metade do século XIX
Aguarela sobre papel
A. 19 x L. 11,4 cm
Proveniência e historial: Obra adquirida em 1999 a Afonso Pereira da Silva, agrónomo e coleccionador de livros antigos. Este álbum foi herdado de um tio – Mário Carmona, cujo ex libris consta no verso da capa – que o adquiriu em Londres. No álbum consta ainda o ex libris da rainha Vitória.
Inv.º FO/0505-T
Aguarela sobre papel que faz parte de um conjunto de dezanove.
Representa uma personagem mogol de alta estirpe, já que o tipo de trajo desenhado era usado na corte ainda que apresentando características adequadas ao estatuto de cada um. Veste uma jama (?) – vestido comprido com saia rodada abotoado do lado direito –, branca sem motivos decorativos ou passamanarias enriquecedoras, cujas pregas são esboçadas a pinceladas cinzentas e castanhas simulando sombreados. Na cintura uma colorida e decorada faixa com as pontas caídas que segura uma adaga; na mão direita um bordão. No pescoço e no colo dois colares com pedras preciosas e no dedo mindinho da mão esquerda, um anel. O trajo é completado por uma calças justas num tecido mais rico e ornamentado, umas sandálias ricamente adornadas e um turbante, num tecido semelhante ao da faixa e ataviado de jóias. Este género de representação filia-se numa longa tradição de retratística trocada entre a Europa e a Índia (muito semelhante a retratos coevos das representações nas cortes de Jahangir [1569-1627] e Shah Jahan [1592-1666]), continuada pelos conhecidos álbuns de pinturas preparados como ofertas para visitantes estrangeiros onde se representavam reis, rainhas, príncipes, princesas e cortesãos safávidas, mogóis e dos sultanatos do Decão, algumas cenas da vida quotidiana ou imagens de deuses hindus.
As aguarelas deste conjunto de dezanove apresentam características formais comuns – como a colocação das personagens e/ou cenas sobre uma forma rectangular que pode ser mais ou menos definida (por vezes uma mera mancha, noutras um chão, um tapete ou um pedaço de natureza melhor ou pior pormenorizada), a ausência de fundos naturais ou arquitecturais; a mera descrição tipificante, sem história ou caracterização individualizada – figurando temas diversificados. O facto destas aguarelas estarem reunidas num álbum construído e a diversidade dos temas tratados, dão-nos a noção de que fariam parte de uma oferta bem mais vasta produzidas num contexto britânico, tendo sido adquiridas avulsamente, provavelmente por uma questão de gosto ou identificação com cenas quotidianas. Foram vários os artistas ingleses que se dedicaram a registar “tipos”, o “exótico”, as paisagens, a fauna, a flora, os monumentos e as cidades nas suas estadas na Índia. Para além da encomenda oficial comummente conhecida como Company School, alguns artistas ficaram particularmente associados a esta forma de representação e a esta escolha de motivos. Estas aguarelas assemelham-se aos registos recolhidos por Frederic Shoberl (1775-1853) e reproduzidos em gravuras em edições europeias durante as primeiras décadas do século XIX, particularmente, no volume Hindoostan da série World in Miniature publicada em Londres pela Ackermann em 1822.
Carla Alferes Pinto