A Vida dos Livros

Um livro por Semana- Semana de 12 a 19 de Fevereiro de 2007

“Aproximações” de Agostinho da Silva (Guimarães Editores, 1960) é um livro constituído por reflexões que ilustram um momento importante na trajectória intelectual do autor, em que este evolui do racionalismo crítico seareiro para o humanismo espiritualista. E diz-nos, em dado passo: “Chegou a hora de irmos por um caminho inteiramente diferente e em que percamos muito menos tempo a discutir a teoria, embora ela deva estar continuamente presente ao nosso espírito e embora o sinal supremo dessa atitude de política, estejamos dispostos a substitui-la por outra que se nos demonstre mais verdadeira. Mas o que vai decidir tudo é a própria acção.

UM LIVRO POR SEMANA
De 12 a 18 de Fevereiro de 2007.



Aproximações” de Agostinho da Silva (Guimarães Editores, 1960) é um livro constituído por reflexões que ilustram um momento importante na trajectória intelectual do autor, em que este evolui do racionalismo crítico seareiro para o humanismo espiritualista. E diz-nos, em dado passo: “Chegou a hora de irmos por um caminho inteiramente diferente e em que percamos muito menos tempo a discutir a teoria, embora ela deva estar continuamente presente ao nosso espírito e embora o sinal supremo dessa atitude de política, estejamos dispostos a substitui-la por outra que se nos demonstre mais verdadeira. Mas o que vai decidir tudo é a própria acção. É necessário que surjam no mundo, a exemplo do que foram os frades soldados da Idade Média, frades políticos, homens que, imolando tudo o que lhes é estritamente pessoal nas aras do geral não queiram terras separadas do céu, nem céus separados da terra, mas sempre e sempre e sempre os dois unidos no mesmo esplendor de fraternidade, de paz e de bem-aventurança. Não se suponha, porém, que isto se fará falando ou escrevendo ou pensando; isto se fará fazendo”. Para tanto o pensador propõe: (a) que se escolham pessoas e não legendas; (b) que se tenha em atenção os problemas locais e imediatos – e não apenas planetários ou futuros; (c) que se vise o domínio de si mesmo, pelo caminho apontado pelas experiências e os séculos; e (d) que se considere o amor dos homens em Deus e por Deus. Eis-nos perante uma ética centrada nas pessoas, na proximidade, no domínio de si e no amor (agapé e filía). E nesta linha – muito centrada no franciscanismo que entusiasmara Jaime Cortesão e o próprio António Sérgio – o autor afirma ainda que “nenhuma vida tem qualquer significado ou qualquer valor se não for uma contínua batalha contra o que nos afasta da perfeição, que é o nosso dever”. No fundo, somos compostos de eternidade e de tempo, sendo a nossa “única e real vocação a de ser santos”. E esta “especialização” arrasta e prende os diversos fragmentos de vocação. O que é puramente temporal não deve tomar o lugar que deve ser ocupado pelo eterno. E Deus é visto, heterodoxa e paradoxalmente, tendo possivelmente por essência a liberdade. Por isso, se arriscou Deus com o homem e os anjos nos perigosos jogos da liberdade. Por outro lado, o importante é que nos possamos salvar pela inteligência, desde que esta seja total ou aspire à totalidade de espírito. E, sendo a liberdade a sua essência, Deus a ninguém pode forçar”. Amar alguém ou alguma coisa será, assim, para Agostinho da Silva, instalá-los num “clima de plena liberdade”, com todos os riscos inerentes. Mas desejar é, já de si, limitar na liberdade – o que pode atingir nós próprios ou os outros. E se vivemos no “mais perigoso dos estádios da civilização”, impõe-se encontrar respostas de modo a que haja capacidade de luta e de resistência, além de sentido emancipador, visando a dignidade humana. Como João Lopes Alves faz questão de salientar: “nunca Agostinho da Silva deixa de temperar a tensão mítica” com o que se poderá chamar “nostalgia do seu passado racionalista”. E assim o “racionalismo crítico” põe-se ao serviço da generosidade. No final da vida, o filósofo confessava que era um leitor fiel e compulsivo de Calvin and Hobbes, exactamente por essa ligação entre a racionalidade e o sonho. Aí se encontram as duas faces da vida – o senso comum de Calvin e o sonho que dá vida ao espantoso tigre de peluche que se torna exuberante e vivo quando a imaginação se liberta e os adultos não estão por perto. E o autor refere ainda: “A chuva é fatal, mas o guarda-chuva não o é”. Quanto ao mais, a liberdade pode servir para escravizar ou para libertar. No entanto, a liberdade apenas se poderá manter por um esforço contínuo de vontade e por uma persistente recusa de especialismo, que o mesmo é dizer de indiferença. Daí Agostinho cultivar a pluralidade e falar das catedrais como livros de história sagrada, entendendo que a imperfeição é a marca que resulta de as catedrais como a vida serem feitas por pessoas…
                                                                Guilherme d’Oliveira Martins

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