A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

“Os Vencidos da Vida” (Fronteira do Caos, 2006) é uma antologia de textos de e sobre onze personalidades marcantes da vida nacional que nos últimos doze anos do século XIX se evidenciaram na tentativa de regeneração de Portugal. Normalmente, o seu exemplo é apontado como um sinal de desalento e de impossibilidade, mas se nos ativermos aos elementos mais marcantes do grupo – Eça de Queiroz, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão – poderemos verificar que há, no essencial, uma recusa de fatalismo e de qualquer ideia de condenação inexorável e trágica do país ao atraso.

UM LIVRO POR SEMANA
De 4 a 10 de Junho de 2007.



“Os Vencidos da Vida” (Fronteira do Caos, 2006) é uma antologia de textos de e sobre onze personalidades marcantes da vida nacional que nos últimos doze anos do século XIX se evidenciaram na tentativa de regeneração de Portugal. Normalmente, o seu exemplo é apontado como um sinal de desalento e de impossibilidade, mas se nos ativermos aos elementos mais marcantes do grupo – Eça de Queiroz, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão – poderemos verificar que há, no essencial, uma recusa de fatalismo e de qualquer ideia de condenação inexorável e trágica do país ao atraso. Recorde-se que o grupo, que costumava reunir-se para jantar no Hotel Braganza ou no Restaurante Tavares, a partir de 1888, era formado, além dos três referidos, por Guerra Junqueiro, António Cândido, Carlos Mayer, Carlos Lobo de Ávila, Conde de Arnoso, Conde de Ficalho, Conde de Sabugosa e pelo Marquês de Soveral. Nasceu da tomada de consciência de que o rotativismo partidário estava gasto e da esperança de que o jovem herdeiro da coroa, D. Carlos, poderia mudar o curso dos acontecimentos num sentido reformador. Havia intelectuais, jovens políticos e palacianos, e esta convergência baseava-se na necessidade de jogar em vários tabuleiros, ora na reforma das instituições e dos partidos políticos, ora na afirmação de uma vontade mobilizadora ao mais alto nível, para que a sociedade pudesse beneficiar. António Cândido dirá: “A ideia da formação do grupo surgiu, um dia, espontânea, imprevista, entre uma colherada de doce e uma gargalhada de champanhe no restaurante Tavares, na Rua Larga de S. Roque. Oliveira Martins lembrara o título Vencidos da Vida, que todos aplaudiram, e, pouco depois, o Conde de Sabugosa compunha uns versos que, com música da Rosa Tirana, constituíam o hino do nosso grupo”. Houve mesmo quem, na “Lisboa, desconfiada”, farejasse “ali uma seita de fundibundiários, rubros como as papoilas, que irreverentemente se dispusesse a correr à pedrada as suas tradições mais gratas”. Mas os convivas apenas desejavam que o país pudesse ter um sobressalto de vontade. O “vencidismo” longe de querer existir como um qualquer derrotismo, pôde ser, para muitos dos seus protagonistas, uma réstia de vontade de quem ironicamente invocava a expressão franca “battus de la vie” para tentar promover uma redenção. E a ideia não vem só desse ano de 1888, no início dos jantares, vem da “Vida Nova” e do jornal “A Província” (assim chamado para lembrar um apelo do país mais genuíno), no Porto, poucos anos antes, e ainda, para trás, da sementeira lançada nas Conferências Democráticas de 1871. Silva Gaio, certeiramente, fará, aliás, o retrato da situação: “num meio estreito de ideias, intolerante e preconceituoso, enredado em miúdos prejuízos – os Vencidos encarnavam a largueza de vistas, a tolerância generosa, a independência crítica, à luz da razão clarividente”. Aliás, se Antero de Quental não fez parte formalmente da confraria, o certo é que o seu espírito esteve sempre presente nesses ágapes míticos, e chegou mesmo a jantar quando partiu para os Açores na derradeira viagem. Se virmos bem muitas das críticas que rodearam o grupo jantante, a verdade é que não são fundamentadas séria e seguramente, são, tantas vezes, gestos de despeito e ressentimento – ora porque havia muitos palacianos, esquecendo, por exemplo, que Ficalho era tudo menos um fútil; ora porque havia um jogo político dissimulado, como se fosse pecado pugnar activamente pela auto-reforma do sistema; ora porque não houvesse um programa político claro, quando em várias ocasiões esse programa, a um tempo socializante e disciplinador, era bem conhecido dos mais informados… Oliveira Martins afirma, ironicamente: “a única obrigação que o partido me encarrega de contrair para com o país, o único compromisso que toma solenemente, é o de continuar a jantar com alegria, uma vez cada semana, rindo-se o menos possível dos seus patuscos inventores”. Mas o que irritava alguns críticos era que este grupo se designasse de vencidos quando era constituído por vencedores. E nesta contradição aparente, de recorte sardónico, está a chave do grupo e da sua vocação. Não era um partido, mas o ponto de encontro de um grupo de pessoas, com provas dadas, que recusavam o derrotismo, já que se não fosse esta a atitude seria melhor partir para o exílio do esquecimento ou da acomodação. E se virmos bem, a verdade é que esse grupo de ideias tinha razão em persistir, uma vez que viria a marcar fortemente todo o século XX. Leia-se o programa da “Revista de Portugal”, de Eça de Queiroz, e compreenda-se o alcance da intenção dessa plêiade: “Uma nação só vive porque pensa – cogitat ergo est”. E se o público recusasse, a obra teria de “deperecer e desaparecer – deixando de novo reinar, por sobre tanta coisa que necessitava ser atendida e alumiada, a escuridão e a indiferença”… A passagem de um século para outro viria a ser fortemente dominada pela sombra forte dessa geração excepcional. E o novo século XX não pode ser entendido sem o delinear dessa influência de quem não desistiu de pôr a nação a pensar. “A Águia” e a “Renascença Portuguesa”, de Pascoaes ou de Cortesão, procuraram seguir esse desafio forte. O “Orpheu” de Pessoa e de Mário de Sá Carneiro perscrutaram os caminhos da modernidade e do futurismo a partir da mesma consideração crítica do que éramos. A “Seara Nova” de Proença, Cortesão e António Sérgio partiram também do magistério de Antero e das gerações que este iluminou e influenciou. E a “Presença” de Régio e Casais Monteiro pugnou pela “literatura viva”, lembrando a lição da exigência e da abertura que vinha da escola crítica do fim do século. Joaquim de Carvalho, Eduardo Lourenço e o ensaísmo moderno têm de ser lidos igualmente a essa mesma luz. Do que se trata, no fundo, é de dizer que só seremos melhores se formos serenamente críticos. 
                                                              Guilherme d’Oliveira Martins     

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