UM LIVRO POR SEMANA
De 14 a 20 de Maio de 2007
“Ser Professor” de Rómulo de Carvalho, organizado por Nuno Crato (Gradiva, 2006) é uma antologia de textos de pedagogia e didáctica que merece ser lida com especial atenção por todos, a começar pelos educadores. Num tempo em que há muitas dúvidas sobre o ensinar e o aprender, em virtude de haver mudanças radicais no mundo que nos cerca e nas responsabilidades das escolas, é fundamental ouvir um professor experimentado, com uma forte preocupação com o rigor e a exigência, a dizer-nos que a relação entre quem ensina e aprende apenas pode ser eficaz se houver trabalho, disciplina e clareza nos objectivos e nos métodos. Alguns dias depois da morte inesperada de um dos discípulos de Rómulo de Carvalho, Artur Marques da Costa, que participou activamente na homenagem que o CNC fez no Liceu de Pedro Nunes a Rómulo de Carvalho / António Gedeão, e que está na fotografia de grupo reproduzida na capa do livro, recordamos uma obra que nos oferece um testemunho riquíssimo sobre a vida do professor. Os textos reunidos abrangem temas diversos, centrados na experiência docente do metodólogo, permitindo uma partilha, que não perdeu pertinência e actualidade: trabalhos práticos de física nos liceus (1947), unidade métrica de massa (1948), ensino da física (1952 e 1970), física como objecto de ensino (1959), incerteza absoluta das medidas e algarismo significativo no 1º ano do ensino liceal (1961), teorema de Arquimedes (1970) e experiência da gota de óleo (1973). Os textos foram publicados originalmente na “Gazeta de Física”, na revista “Palestra” e no “Boletim do Ensino Secundário” e ilustram uma aguda consciência das responsabilidades do professor sobre a necessidade de compreender que o processo educativo não pode comportar nem receitas, nem qualquer tipo de acomodação ou de inércia. Por isso, quem for à procura de soluções neste livro engana-se rotundamente, pois o que o mestre faz, a cada passo, é lançar desafios e problemas a si próprio e aos jovens professores a quem se dirigem os textos. Trata-se de dizer que a pedagogia e a didáctica obrigam a lidar sempre com a incerteza, com as diferenças, com a complexidade e com a necessidade de criar espíritos críticos e abertos a aprender e a conhecer. Oiçamos o Dr. Rómulo, no ensaio luminoso de 1959: «A palavra método, que em si mesma admite um sentimento de ordenação, de doutrina, de caminho, de orientação, de adaptação, de regra, de processo, e de quantas coisas mais, tem assim, (…) um sentido de plano de actuação, a parede mestra do edifício que responde à pergunta “como deveremos ministrar tal ou tal conhecimento?”». Usando as palavras e os conceitos seriamente ponderados, o mestre ensina, não condiciona um percurso para os seus discípulos. «Escolhida a via indutiva, ou a dedutiva, para a leccionação de determinado assunto da Física, em determinada classe, tratará o professor de encontrar agora a maneira mais conveniente para lhe dar efectivação. Escolha-se o método; irá escolher-se agora o processo melhor de o efectivar». Longe das simplificações, Rómulo de Carvalho desaconselha vivamente os métodos definidos por antecipação como de aplicação universal, sejam indutivos, dedutivos ou experimentais. A cada um temos de ligar problemas específicos e exigências próprias para o pedagogo. A própria evolução da ciência desaconselha as simplificações. «O método científico da Física actual é acentuadamente dedutivo, e o método pedagógico, que naturalmente tem de acompanhar aquele para lhe beber o espírito, é, à excepção da fase de iniciação daquela ciência, igualmente dedutivo. Seria mesmo paradoxal que a indução pudesse manter-se numa fase da História da Física assinalada, como é a dos nossos dias, pelo pávido sintoma do indeterminismo». Mas é preciso compreender as dificuldades dos alunos, e a experiência do professor, detecta efeitos perversos de saltos bruscos da experiência para a dedução. Por isso, advoga o recurso ao método indutivo, segundo o processo experimental, na forma activa e do modo mais consentâneo com a inclinação mental do professor”. Deveria, assim, privilegiar-se, em nome da eficácia pedagógica, tudo o que é susceptível de ser ilustrados pela experiência. Mas “realmente, não é a experiência que permite a indução. Somos nós, nós os que ensinamos, com as palavras, que escolhemos e proferimos no decorrer da sua execução, com as nossas hábeis insinuações, com as nossas escamoteações oportunas, com o nosso conhecimento sagaz do aluno, das suas circunstâncias. Nós somos, em última análise, o método, o processo, a forma e o modo”. Importa compreender as dificuldades concretas, os problemas colocados em cada circunstância: “Os professores jovens, que vêm frescos da Universidade, sabem desenvolver matematicamente a teoria do campo eléctrico, por exemplo, sem dificuldade, mas quando são colocados perante uma assistência de rapazes de quinze anos a que têm de comunicar o que significa uma diferença de potencial, sentem-se vazios. A Física está toda cheia destas dificuldades”. A matéria-prima da educação são as pessoas, os professores, os alunos, toda a comunidade educativa (diríamos nós). As respostas aos problemas obrigam, por isso, a lidar com o factor humano e a encontrar soluções que vão ao encontro das relações interpessoais e que se baseiem na actualização científica (cuja ausência é severamente criticada por Rómulo de Carvalho). Ser professor obriga a lidar com o rigor, a disciplina e a indeterminação, tudo em simultâneo, o que obriga a um trabalho intenso de preparação. Nada pode ficar ao acaso – o gesto, a palavra, o acontecimento experimental… Tudo isso era cuidado ao pormenor pelo velho mestre.
Guilherme d’Oliveira Martins