UM LIVRO POR SEMANA
De 2 a 8 de Abril de 2007
Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) escreveu em 1908 “The Man Who Was Thursday”, que constitui um exercício originalíssimo, de um género indefinido, onde a narrativa, o humor, o absurdo e a reflexão se associam e se encontram para benefício e deleite dos leitores de sucessivas gerações. Chesterton soube sempre praticar o “non-sense” e a ironia como formas de sustentar o seu realismo espiritualista. Quis sempre ver o mundo do avesso, para poder levar os seus leitores ou ouvintes a pensarem de maneira diferente daquela a que naturalmente seriam levados a deduzir. “O Homem Que Era 5ª-feira” não foge à excepção. Daí que, quando a obra é incluída na lista das obras-primas europeias, haja sempre quem afirme que condensa as diversas características que celebrizaram o seu autor. De facto, assim é. Neste caso, em Saffron Park, encontram-se dois poetas, que tudo parece afastar um do outro. O anarquista Lucian Gregory lança um desafio estranho a Gabriel Syme e indu-lo a um juramento. E começa um improvável jogo de encontros e desencontros, de sonho e de realidade. E Syme vê-se envolvido numa estranha maquinação, que lhe é apresentada placidamente pelo seu interlocutor. Entre iguarias divinais, que se parecem com um sonho, Syme vê-se cúmplice e participe de um Supremo Conselho Anarquista que visa destruir a Sociedade, o Direito e o Erro, um conselho de sete membros, sete como os dias da semana, presidido por um Domingo, e ao qual falta o 5ª-feira, recentemente morto. No entanto, ironia suprema, Gabriel Syme, minutos antes de começar o capítulo anarquista, a que Gregory o atraiu, confessa-lhe, perante a estupefacção e a impotência do interlocutor, que é membro da polícia secreta. Os dois poetas ficam ligados por um estranho segredo, incapazes de se denunciar. E quando tudo leva a crer que Gregory vai ser eleito para o Supremo Conselho como novo 5ª-feira, há um golpe de teatro, e Syme, ele mesmo, faz-se eleger, intervindo radicalmente, contra a moderação do candidato Gregory, como membro da direcção suprema anarquista. E foi desse modo que Gabriel se viu incluído num grupo com outros seis homens que haviam jurado destruir o mundo, ele que procurava ser (por feitio e profissão) um pilar da ordem e do senso comum. Então, quase esqueceu Gregory, que lhe aparecia como um frágil e extravagante, mas simpático, poeta. A pouco e pouco, porém, depois da angústia da solidão e o sobressalto constante pela eventualidade de um desmascaramento, o novo 5ª-feira vai descobrir no terrível Conselho que há outros polícias, como ele. De súbito, o mundo que lhe parecia às avessas torna-se um pouco mais compreensível ou, em boa verdade, ainda mais incompreensível que nunca. Afinal, aquela organização que se propunha destruir o mundo vivia na sofreguidão da boa comida (lagosta, faisão…) e do melhor vinho (um soberbo Borgonha), por entre discursos inflamados, e cheia de polícias infiltrados. E um dos membros confessa: “O Supremo Conselho Anarquista nunca existiu. Éramos uma porção de polícias trouxas à espreita uns dos outros. E toda essa boa gente que fez fogo sobre nós, imaginava que éramos bombistas!”… E revelam-se coisas inesperadas: “Agora – diz Syme – compreendo tudo, tudo quanto existe! Por que razão tudo na terra se combate mutuamente? (…) Pela mesma razão porque eu tive de estar só no horrível Conselho dos Dias, a fim de que tudo o quanto obedece à lei possa conhecer a glória e o isolamento do anarquista; a fim de que todos os que lutam pela ordem possam ser tão bons e valorosos como os anarquistas; a fim de que a verdadeira mentira de Satanás possa ser lançada ao rosto deste blasfemador, a fim de que, através das lágrimas e das torturas, mereçamos o direito de dizer a este homem ‘Mentis!’”. De facto, no mundo coexistem as diferentes faces das mesmas moedas. Polícias e anarquistas encontram-se, revelam-se mutuamente, como no sonho e na realidade. Afinal, neste mundo, estranho e variado, podemos compreender os anarquistas pela óptica dos polícias e a ordem pelos que crêem no fim do Direito e do Erro… Boa Páscoa!
Guilherme d’Oliveira Martins