UM LIVRO POR SEMANA
De 27 de Novembro a 3 de Dezembro de 2006
De partida para o périplo da Índia, em mais uma iniciativa do ciclo “Os Portugueses ao Encontro da Sua História”, refiro-me ao pequeno volume da colecção “Que sais-je?”, de Michel Boivin, “Histoire de l’Inde” (PUF, 2001). Aí encontramos um conjunto de informações úteis para o entendimento de uma história muito complexa e nem sempre fácil de compreender. A Índia é um sub-continente inesgotável com uma história fascinante. Pode dizer-se que no imaginário europeu a Índia tem a ver não só com as nossas origens, mas também com um horizonte utópico e espiritual de que a nossa história comum é tributária. As repercussões das civilizações da antiguidade oriental, as raízes linguísticas, o sânscrito, as conquistas de Alexandre Magno, as informações dos mercadores medievais, Marco Pólo, o plano da Índia dos portugueses, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Francisco Xavier, os impérios, o encontro de culturas, o fascínio pelo pluralismo religioso e pela espiritualidade do hinduísmo – tudo isso está bem presente, quando falamos desse lugar mágico. O fim da civilização primitiva dos indus coincide, por volta de 1800 a.C., com a invasão dos povos vindos de Noroeste, que corresponde à primeira vaga das migrações arianas. A fonte literária indiana mais antiga que possuímos é “Rig Veda”, redigida em língua védica, que dará origem ao sânscrito. Aí encontramos povos de pastores e agricultores constituindo monarquias tribais dirigidas por rajahs. O panteão védico era formado por três divindades dominantes – Mitra, Varuna e Indra. Mitra simbolizava a aliança entre os deuses e os homens e era associada ao Sol; Varuna ligava-se à noite e Indra detinha a função guerreira. A idade pós-védica desenvolveu uma espiritualidade de grande riqueza e complexidade, cujo conhecimento permite a melhor compreensão das civilizações indo-europeias. As tribos desintegraram-se progressivamente e originaram diversos reinos. As diversas invasões (de persas e gregos) contribuíram para a renovação religiosa e espiritual, em especial com o nascimento do budismo e do jainismo. Para o budismo, todos os seres vivos transmigram sem fim de uma existência para outra, passando por estados diversos, em função dos actos anteriores. O jainismo baseia-se no respeito da vida em todas as suas formas e serviu de base ao princípio da não-violência de Gandhi. A aparição do budismo levou o centro de gravidade para o leste. No século IV a.C., em virtude da chegada de Alexandre, nasceram colónias gregas no Noroeste, o que permitiu o desenvolvimento artístico fruto da convergência entre influências ocidentais e orientais, bem evidentes nos templos do hinduísmo. Na época dos impérios (de 321 a.C. a 535 d.C.) o budismo e o jainismo dominaram as artes e o pensamento, coexistindo, no entanto, com os vedas. O hinduísmo voltou, porém, a afirmar-se durante a Idade Média, a partir da queda do império dos Gruptas e de Harsha. Foi o tempo da grande influência dos Upanishads, compostos a partir do século VI a.C., que correspondem à emergência das divindades Brahmâ, Shiva e Vishnu, e das diversas encarnações (avatâra), que corresponderiam ao restabelecimento da ordem do mundo. A partir do século XIII, um certo vazio deixado pelo budismo deu, contudo, lugar à crescente influência muçulmana, já evidente a partir da fundação de colónias de mercadores no Malabar (séc. VIII). Emerge o sultanato de Deli (1206-1526), que será derrotado, pela utilização de artilharia pesada, por Babur, descendente de Gengis-Cão, fundador do esplendoroso Império do Grão Mogol, cuja influência vai estender-se até meados do século XIX. É esse o tempo em que os portugueses chegam à Índia (Vasco da Gama aporta em Calecute a 20 de Maio de 1498 e Goa será conquistada em 1510). Cruciais são os momentos em que o rajah de Cochim apoiou os portugueses contra o samorim de Calecute, em que a queda do reino de Vijayanagar beneficiou a chegada dos primeiros europeus e em que a frota egípcia foi destruída em Fevereiro de 1509 em Diu, abrindo caminho à acção de Afonso de Albuquerque e à inserção da Índia no comércio mundial. Goa tornou-se então o mais importante centro de cultura e de diálogo civilizacional da Ásia. Aí foram impressas, por exemplo, as primeiras gramáticas indianas e há mil motivos para nos surpreendermos ainda hoje. É esta a história que iremos interrogar, projectando-a sobretudo no futuro…
Guilherme d’Oliveira Martins