UM LIVRO POR SEMANA
De 31 de Julho a 6 de Agosto de 2006
“Visões da Política – Sobre os Métodos Históricos” de Quentin Skinner (Difel, 2005) é uma obra de grande interesse no panorama do moderno pensamento político. Skinner é professor na Universidade de Cambridge e uma das referências no estudo e na reflexão sobre a formação do republicanismo democrático até aos nossos dias. A obra, prefaciada por Diogo Ramada Curto (e traduzida por João Pedro George), é constituída por diversos ensaios sobre questões filosóficas e metodológicas levantadas pela história política. E sente-se, a cada passo, a solidez e a segurança de “Foundations of Modern Political Thought” (1978), obra maior do pensamento europeu do final século. Skinner mostra-se especialmente interessado (na senda de Wittgenstein ou de Austin e Searle) pela análise do efeito da linguagem (“how to do things with words”) e daí procurar analisar o contexto em que cada acção surge. Nos seus exercícios modelares sobre Maquiavel e Hobbes, o autor estuda as ideias a partir do seu uso, demarcando-se do entendimento de Leo Strauss baseado na suposta “coerência das doutrinas”. Valoriza antes o diálogo entre as intenções e a aplicação do pensamento. Por isso, recorda a frase do início de “Hard Times” de Dickens – “Na vida só contam os factos”. O conceito de verdade torna-se então pouco relevante na explicação das crenças. Do mesmo modo, as “questões eternas” da história do pensamento ocidental terão de ser abordadas a partir do facto de os pensadores antigos estarem preocupados com questões próprias, diferentes das que hoje temos. E se nos apropriarmos do passado “acabamos por não deixar espaço livre para pensarmos no que os filósofos antigos poderiam estar a fazer quando escreviam da forma que escreviam”. Q. Skinner defende, assim, uma abordagem historiográfica na história das ideias – “se o que pretendemos é uma história da filosofia feita com um espírito genuinamente histórico, devemos ter como uma das nossas principais tarefas a contextualização intelectual dos textos em estudo de forma a que possamos dar sentido ao que os seus autores estavam a fazer quando escreviam”. Eis o ponto donde parte Quentin Skinner, que permite projectar nos dias de hoje a exigência de aperfeiçoamento de uma perspectiva e de uma intenção “republicana”. De um lado temos o sentido e o significado, e de outro temos a acção das palavras, o seu efeito performativo. E assim procura-se ligar a hermenêutica tradicional à filosofia da linguagem. Particularmente interessante é a abordagem do “significado social” e da “explicação da acção social”. Embora possa haver explicações causais satisfatórias para as acções voluntárias, pode haver explicações satisfatórias que não sejam causais, nem redutíveis a uma forma causal. O determinismo social deixa de poder satisfazer-nos. As crenças situam-se no contexto de outras crenças, enquadrando-se em sistemas alargados que obrigam a dar especial atenção à “longue durée”. Usamos a linguagem para comunicar e para assumir uma determinada autoridade ou legitimidade perante os nossos interlocutores. Jogamos com as emoções nos exercícios que realizamos de controlo social. E devemos desconfiar dos políticos que invocam altos princípios morais para explicar o seu comportamento. Daí a importância dos “ideólogos inovadores”, que se dispõem a legitimar uma vida questionável, a partir do vocabulário dominante. Estamos embrenhados nas práticas, mas por elas somos constrangidos. O poder da nossa linguagem força a realidade, no sentido da continuidade ou da mudança. Mas, pela linguagem, também podemos subverter os sentidos tradicionais. E assim somos muito mais livres do que à primeira vista parece…
Guilherme d’Oliveira Martins