UM LIVRO POR SEMANA
De 31 de Outubro a 6 de Novembro de 2005
Para se compreender o que representou e o que determinou o terramoto de 1 de Novembro de 1755, é indispensável ler a obra de José-Augusto França Lisboa Pombalina, cidade do Iluminismo (2ª edição, Lisboa, 1978). Aí encontramos o repositório rigoroso de como foi possível fazer de uma catástrofe a oportunidade ganha de reconstruir a cidade, tornando-a uma das mais modernas e atraentes da Europa. Tudo, graças à visão de futuro e à determinação de um governante, sobre o qual há apreciações contraditórias, mas de quem o povo disse, na sua sabedoria ancestral: “mal por mal, antes Pombal”. «Em 1 de Novembro de 1755 deu-se o terramoto de Lisboa, e num mundo que se habituara à paz e à tranquilidade, espalhou um imenso terror». Foi Goethe quem o disse, e encontramos em muitos outros escritores europeus referências marcantes. Voltaire e Kant deixaram-se impressionar por esse momento aterrador, de fim de uma época e de início de outra. Sente-se que o terramoto produziu um grande abalo. As pessoas começaram a perguntar-se por que motivo tal ocorreu naquele momento e na cidade de Lisboa. E encontram as mais diversas explicações. Voltaire procura fazer prevalecer uma nova religião natural, que então o terramoto parecia anunciar na sua tremenda força destruidora, enterrando as concepções antigas e valorizando uma ordem natural da razão. Leia-se “Le Désastre de Lisbonne” e veja-se como prevalece a ideia de uma “religião natural” nova. Jean Jacques Rosseau, o cidadão de Genebra, acolheu entusiasticamente a visão de Voltaire, que se contrapunha ao optimismo de Leibniz (caricaturado no “Candide” sob as vestes do Doutor Pangloss). E Kant brandiu o seu “Sapere Aude!”. O novo tempo teria a “coragem de servir a própria razão de cada um”. Melhor do que ninguém, Sebastião José de Carvalho e Melo compreendeu que esse momento de viragem seria o seu próprio tempo. Não poderia esquecer que vivera em Londres e Viena uma experiência anunciadora de novas concepções e mentalidades. E, dentro desse espírito, pôs em marcha o método da “boa razão”, a partir de um novo optimismo, já não do “melhor dos mundos”, mas de vontade e de entendimento da natureza. A velha cidade não passaria, segundo o Cavaleiro de Oliveira, de uma “fermosa estrivaria”. Era desordenada, mas os efeitos do desastre foram incomensuráveis. Havia que avançar. “Pombal devia, a todo o momento, começar e recomeçar tudo pelo princípio, numa sociedade lassa e imbricada – à imagem da cidade que o terramoto destruíra”. Ele foi um “segundo terramoto nessa sociedade”. Foi “o ‘déspota iluminado’ que pôde ser, no país em que agiu, e um homem solitário também”, obrigado “a correr à frente dos acontecimentos, ordená-los, dar-lhes sentido e ensinar o sentido que queria que tivessem à nova classe que punha em cena e lhe era indispensável”. Afinal, o terramoto foi o que destruiu, mas também o de quem soube reconstruir…
Guilherme d’Oliveira Martins