UM LIVRO POR SEMANA
De 10 a 16 de Abril de 2006
António Osório dispensa apresentações. É um dos valores seguros da poesia portuguesa de hoje. “O Lugar do Amor e Décima Aurora – Obra Poética II” (Gótica, 2001) é a nossa escolha desta semana de Páscoa. Estamos diante de obras de 1981 e de 1982, antecedidas por citações de Dante e de Bashô. “E chiaro nella valle il fiume appare”. “Não sigo o caminho dos antigos: busco o que eles buscaram”. O claro rio e a busca, que sempre renasce, resumem o ofício do poeta. E o que é o lugar do amor senão o encontro com os pequenos pormenores? “Matriz / de remos caminhando; / terreiro de buscas, / manipulações; cela / onde não há desespero…” E o “medo de perder-te” ou a “pressa de não acabar o amor” encontram-se na procura do sentido que permanentemente se esconde… E Mário Botas, o ilustrador inspirado e incansável, não pode ser esquecido, pois faz-nos falta não o ter para ilustrar a poesia de António Osório. Vem ainda à memória o Tio Henrique – que tinha a “premeditação de respeitar os outros”, em nome de uma tradição de advogar, que o mesmo é dizer, de ser “ad vocatus”, o que é chamado em auxílio. “Pureza” é a palavra que muitos encontram para caracterizar a criação de António Osório. E nota-se, a cada passo, essa preocupação, de limpar, de fazer do “ofício” da escrita uma tarefa de artesão, que decanta, que afina, que afeiçoa, em busca da palavra essencial. Montale fala da poesia como “la più discreta delle arti”. “Ofício que começa pelo deslumbramento por cada palavra…”. A paixão pela Itália sente-se intensamente. A Florença dos seus antepassados (o avô Giovanni em San Miniato al Monte), como parte da Grande Grécia, é a herdeira dos heróicos combatentes de Tróia, à frente de quem está Heitor, o primeiro dos heróis do poeta. “Nenhum homem / foi mais dignamente chorado…”. E na entrevista apócrifa lá está a confissão bem sentida: “As lágrimas nascidas com o fim de Heitor foram as primeiras provindas de um livro”. “E quando apareceu a décima aurora / o colocaram numa pirâmide de lenha…”. Dante, o primeiro dos florentinos, percorre o caminho das palavras. “Quem tinha razão? Os guelfos? / E os guelfos brancos ou negros? / Os gibelinos? E importará sabê-lo? Razão tinha Dante”. Mas importa cultivar a astúcia: “os trunfos de um estilo prolongam o jogo entre vida e morte, como Xerazade e seus apólogos de adolescentes, eunucos nunca voluptuários, vinhas em fruta, bárbaros, apreciadores de tâmaras e gozadores displicentes. A astúcia dos artistas é igual à dessa jovem que carecia de encantar o tempo”. É a paixão da palavra certa. Que é a vida senão uma sucessão de acontecimentos contraditórios: “Nasceu o cordeiro / depois do fim / do cão, Bravor. / O Pêlo negro hirsuto / e tudo abrangente. / Um bebe / em sua mãe, / outro jaz. / Bravura, no Inverno / acariciar ambos”. Miguel Ângelo indica ao poeta um sentido: “Cego de palavras”. Num mundo que “deveria ser refeito / por alguns santos”…
Guilherme d’Oliveira Martins