UM LIVRO POR SEMANA
De 6 a 12 de Março de 2006
Quem somos? A pergunta é de difícil resposta, mas a leitura de “O Essencial sobre os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa” de Jorge Dias (Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985) constitui, ainda hoje, um precioso auxiliar da reflexão. O texto data de 1950, correspondendo a uma conferência proferida em Washington. O autor põe-nos, porém, de sobreaviso em relação à falibilidade do exercício, e é essa consciência que torna a reflexão actual, já que não contém qualquer pretensiosismo ou ilusão sobre a certeza das pistas lançadas. Passaram mais de cinquenta anos, os portugueses são decerto diferentes, num mundo em mudança acelerada, mas ficam os caminhos e as referências, que funcionam pelo menos relativamente à herança (ou a parte dela) que recebemos. O texto de Jorge Dias não pode ser lido isoladamente. Temos de lembrar o que José Mattoso tem escrito sobre uma identidade aberta, do mesmo passo que são hoje imprescindíveis outras e diversificadas leituras, desde Eduardo Lourenço a Boaventura Sousa Santos, passando por José Gil e Vasco Pulido Valente. Jorge Dias diz-nos, por exemplo: “o português gosta de fazer projectos vagos, castelos no ar que não pensa realizar. Mas no seu íntimo alberga uma secreta esperança de que as coisas aconteçam milagrosamente”. Eis a reminiscência do sebastianismo. Mas, “quando se aproxima a catástrofe, abrem-se-lhe os olhos da razão, e então é capaz de desenvolver tal energia e com tal eficiência que a isso é que se poderia chamar milagre”. A cada passo, notamos “a capacidade de adaptação”. Afinal, “o português assimilou adaptando-se”. A miscigenação caracterizou a nossa presença no mundo, graças à adaptabilidade. Como realidade cultural complexa, albergamos na nossa personalidade factores múltiplos e heterogéneos, fruto de um “melting pot” que se torna um autêntico quebra-cabeças para nos definirmos. A ironia, benévola, mordente ou sarcástica, pesa mais do que o sentido de humor. O “sentimento do ridículo” e o “medo da opinião alheia” limitam os “impulsos generosos”. Preferimos a dimensão humana, mas o individualismo torna-se por vezes doentio. Tenderemos a preferir o género lírico ao trágico. A voz da terra choca com a “loucura” marítima no “velho do Restelo”. Alternamos o sentimento de euforia com a mais viva depressão. As glórias passadas constrangem-nos. Saudade, destino, fado, sonho coexistem. Somos sonhadores e homens de acção, quando queremos. O temperamento do português pode levar à desistência à primeira adversidade. Mas também à persistência. E tantas vezes ficamos a meio caminho, antes dos resultados, a chorar como Mofina Mendes diante do leite derramado. “Soubemos traficar, mas faltou-nos sempre o sentido capitalista”. Em suma, seremos “um povo paradoxal e difícil de governar”. Os nossos defeitos “podem ser” as nossas virtudes, e as nossas virtudes os nossos defeitos, “conforme a égide do momento”…
Guilherme d’Oliveira Martins