UM LIVRO POR SEMANA
De 27 de Fevereiro a 5 de Março de 2006
George Steiner é um “pensador itinerante”. Ao escrever “A Ideia de Europa” (Gradiva, 2005) procurou dar-nos uma visão da cultura e da vida, longe de concepções redutoras. O professor e ensaísta, abre horizontes, suscita dúvidas, cultiva a exigência. Numa palavra, obriga-nos a pensar, para o agir. Ser e agir, literatura, arte e dia a dia encontram-se. E cinco axiomas definem para Steiner a Europa – o café, a paisagem de escala humana, a referência à memória de estadistas, cientistas, poetas, artistas e escritores do passado, a dupla descendência de Atenas e de Jerusalém, e o sentido de um fim ou da decadência. Não por acaso, Steiner fala dos cafés. Desde “A Brasileira” de Fernando Pessoa até aos de Odessa frequentados por gangsters, passando pelos lugares onde Kierkegaard passeava as suas incertezas, é uma certa ideia de Europa que está presente. Como entender a cultura europeia sem essa livre circulação de ideias, sem o culto dessas saudáveis correntes de ar? No café conspira-se, pensa-se, cultiva-se a crítica. Mas o que está em causa é a procura da “nobreza de comportamento”ou a de espírito, muito mais importante que a nobreza de sangue, que é acidental. Daí a importância da “educação liberal”, que conduz à “dignitas” (dignidade) da pessoa humana. E essa dignidade parte do sentido da responsabilidade. Lugares de encontro, de peregrinação e de viagem, eis o que encontramos na Europa. E o facto de ser possível palmilhar o continente, dá-lhe um especial sentido humano. “Hölderlin vai a pé da Vestefália a Bordéus e volta”. Kant, Rousseau, Péguy são caminhantes. E o que ligamos, a cada passo, são lugares de memória. “Ser europeu é tentar negociar, moralmente, intelectualmente e existencialmente, os ideais, afirmações, praxis rivais da cidade de Sócrates e da cidade de Isaías”. Sempre a tensão entre Atenas e Jerusalém. A matemática habita a música. Ulisses protege-se do canto das sereias, mas quer ouvir, recusa o esquecimento. Há, no entanto, a consciência dramática ou a intuição dos europeus de que um dia a Europa ruirá “sob o peso paradoxal dos seus feitos e da riqueza e complexidade sem par da sua História”. Weber alerta-nos contra a uniformização. Husserl teme “um grande cansaço”. Chegou ao fim a ideia de Europa? Há o risco de nos tornarmos um grande “museu de sonhos passados a que chamamos História”? «A Europa morrerá efectivamente, se não lutar pelas suas línguas, tradições locais e autonomias sociais. Se se esquecer que “Deus reside no pormenor”». E que temos de fazer? Educar, mais do que rivalizar com o poderio americano ou do que sonhar com um novo predomínio geopolítico. Do que se trata é de afirmar “convicções e audácias de alma”, numa perspectiva de abertura e de respeito, não de indiferença. Fazer dinheiro é uma paixão vulgar. O despotismo do mercado de massas mata. E a vida não reflectida não é digna de ser vivida. Mas não será tarde?…
Guilherme d’Oliveira Martins