UM LIVRO POR SEMANA
De 30 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 2006
“A Morte de Colombo – Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito” de Eduardo Lourenço (Gradiva, 2005) interroga o encontro e o desencontro de culturas na América Latina. E a eleição recente do novo Presidente da Bolívia, Evo Morales, concede uma especial actualidade a este tema, ilustrando-o. Os ensaios inseridos neste volume são suculentos e muito estimulantes. O continente descoberto por Colombo “reescreve a sua própria História”, remetendo-a para a “hora-zero” de uma “outra História”. Optando por não recordar os cinco séculos da chegada de Colombo às Antilhas, uma certa América “prefere ser o continente nu que era antes da chegada de Colombo e de Cabral”. Estamos, assim, diante de uma “ocultação ressentida”, com um significado algo estranho e ambíguo. E o ensaísta propõe uma de duas interpretações: ou se trata de uma nova morte de Colombo e com ele de um Ocidente que o tinha como o “seu Ulisses planetário”, ou estamos perante a “sua autêntica ressurreição”, já que o que o navegador (de origem desconhecida) buscava era o Paraíso… De facto, “são os filhos de Colombo tornados ‘outros’ que precisam da sua morte para poderem crer que o Paraíso é mesmo nessa América onde aportou para fugir do Velho Mundo”. E essa torna-se sonho não de índio, mas de “ex-europeu perdido na sua Descoberta”… Fala-se da Descoberta-Mito e do mito das Descobertas – como reescrita de uma História por parte de “quem já não é descobridor nem mesmo navegante e muito menos senhor dos mares, mas precisa da memória de o ter sido para ser quem é”. Daí a comparação entre Colombo e Cabral e entre os dois imaginários que ambos representam. Pêro Vaz de Caminha espanta-se menos do que Colombo e o resultado é a inserção do outro como extensão do mesmo. Mas, ao invés, é o sonho de Colombo que vai prevalecer como imagem de marca deste novo encontro. Além disso, o jesuitismo e os jesuítas são analisados e interrogados – em dois tempos: o da energia peninsular de Santo Inácio e o da “religião da obediência” que se seguiu, visto como um puro contra-senso histórico… E vem à baila o Padre António Vieira (“somos ainda hoje sensíveis ao encanto e ao poder da sua escrita”). Como no ensaio sobre a Companhia, também se faz uma comparação – entre Bartolomeu de las Casas e o orador sagrado. A “pena clarividente” de Vieira dá-nos conta de que o império real “extingue-se numa espécie de crepúsculo”. Las Casas reflecte o passado, enquanto Vieira projecta o futuro. Leia-se, aliás, com atenção, o ensaio de 1962 sobre a querela entre Sepúlveda e Las Casas a propósito da escravatura. Percebe-se que Aristóteles é apenas um pretexto para falar da legitimidade e da ilegitimidade da submissão dos índios. E tudo culmina no “devaneio mítico”, sobre Isaías e Daniel, de Vieira no Quinto Império, que antecipa a nova mentalidade do século XVII – o optimismo de Leibniz e a tolerância do “Cândido” de Voltaire…
Guilherme d’Oliveira Martins