Sei que ficam um pouco alvoroçados e incrédulos.
Mas a novidade que vos vou dar está já nas bocas do mundo.
Falo-vos de um misterioso peregrino que vos acompanha silenciosamente.
A sua presença é extraordinária e ainda agora se prevê que se torne mais presente e popular…
É um mundo de fantasmas que nos ocupa – uma plataforma de ironia e pesadelo com “Casanova, saltando da masmorra para uma coluna, e depois para um telhado, Scarlatti vogando de rosto velado por tules vermelhos, cautério para a sua incurável antropofobia, quem poderá garantir que não resultante da obsessão cultivada pelas ninfetas órfãs, e cantoras de um coro de querubins”. Falamos da Sereníssima República dos Doges – Veneza e da sua influência, naturalmente. E entre Byron e George Sand, Ruskin e Hemingway, aparece-nos o improvável Corto Maltese, que Mário Cláudio e eu, só conhecemos tardiamente por não ter feito parte da nossa infância, já que só em 1967, na revista “Sgt. Kirk”, Hugo Pratt deu-lhe corpo e história. Mas a verdade é que o adotámos como mito romanesco – nascido a 10 de julho de 1887, filho de Vânia “la Niña de Gibraltar” na ilha de Malta, sede da Soberana Ordem, na descendência atribulada de um português célebre mas controverso, o Grão-Mestre Frei Manuel Pinto da Fonseca (1681-1773), em honra que quem Qormi em Malta se designou como Cittá Pinto. Lembremos os outros três Grão-Mestres: Frei Afonso de Portugal (falecido em 1207), Frei Luís Mendes de Vasconcelos (falecido em 1623) e Frei António Manoel de Vilhena (1663-1736). Pinto da Fonseca fora milagrosamente salvo, depois de um grave doença, pela sedutora Severiana, mãe da avó de Corto, Maria de los Milagros – não fadada para as glórias que seu pai gostaria de lhe ter reservado, em virtude do sucessor de Pinto da Fonseca ter posto fim a um tal sonho, arredando-a de quaisquer honras. E assim pudemos descobrir a estirpe portuguesa de Corto, que ganhara tal nome dada a exiguidade do seu corpo à nascença – por ser curto. Novas luzes podemos ter, nesta leitura de Memórias Secretas – e talvez compreendamos melhor um fundo aventureiro, de quem se apaixonara pela obra-prima de Thomas Morus, ou não fosse português Rafael Hitlodeu, a cujo epílogo não chegaria… E como chegou a Portugal? Pela mão de Dinis Machado e Vasco Granja – que, contra ventos e marés, decidiram apostar em Corto Maltese. Dir-se-ia que agora Mário Cláudio legitima essa escolha e completa-a. Hugo Pratt faz desaparecer Corto Maltese durante a guerra de Espanha, mas agora vamos adiante… Não desapareceu então. A 3 de novembro de 1941, apesar da guerra sangrenta, arrendou uma casinha na Ilha de Burano mesmo defronte do Adriático, onde também moram, com Maltese, Tarao, Pandora, Abel e Sephora. Mas aí temos matéria para mais mistério, porque também aqui o testemunho do herói termina abruptamente.
Eis pois que mesmo sem quererem estiveram com Corto Maltese um querido descendente de portugueses, com Manuel Pinto da Fonseca na sua estirpe.
Guilherme d’Oliveira Martins