Como gostaríamos nesse momento de ouvir a voz inconfundível de Alberto, o seu riso e a palavra «Espantoso!».
Publicamos também aqui as palavras de Guilherme d’Oliveira Martins.
Noite inesquecível na companhia de Anouk Aimée!
ALBERTO VAZ DA SILVA (1936-2015)
O Alberto era uma personalidade fascinante.
Uma conversa com ele era um motivo de luminosidade e de sabedoria. Conheci-o desde sempre, primeiro como jovem advogado brilhante que colaborou com o meu Avô, mas depois, e com uma intensidade crescente, como um cultor da melhor amizade, como da melhor literatura e da melhor arte. Ao lado de João Bénard da Costa, de Pedro Tamen, de Nuno Bragança e de António Alçada Baptista foi um dos grandes protagonistas de «O Tempo e o Modo». Como tinha sido do Centro Cultural Cinema e foi, mais tarde, de «Raiz e Utopia». Na crítica literária ou de cinema tornou-se uma referência de critério e de qualidade. Não é possível compreender a importância de Agustina Bessa Luís ou de Sophia de Mello Breyner sem ler o que Alberto escreveu. E, para tanto, teve de romper com conformismos, dos vários lados do espetro político. Ao lado de Helena Vaz da Silva, foi uma peça-chave nos diversos projetos – em especial o Centro Nacional de Cultura. Admirava profundamente a inteligência de sua mulher, sabendo na antecâmara articular a imaginação e a racionalidade, a audácia e o senso comum. Um dia disse que usava as palavras que estavam na sua alma. José Tolentino Mendonça comparou-o a Cristina Campo, a propósito de «Os Imperdoáveis». «Isto é, aqueles que possuem e definem um estilo, os habituados por uma força profunda, por um caráter próprio, por uma sabedoria irremovível, aqueles que desenham com as suas vidas um mapa de tal modo original que se torna necessário à viagem dos outros». E assim citava a frase de Saint-Martin: «Houve certos seres através dos quais Deus nos amou». Era assim a sua fé, feita de afeto e espontaneidade. O seu conhecimento enciclopédico permitia-lhe fazer compreender tudo para além do imediato e do simples. A poesia, a literatura, as artes, o diálogo das culturas e das civilizações – tudo se somava à paixão pela astronomia e à experiência da grafologia. Psicólogo experimentado, conseguia na decifração da escrita entender a complexidade das personalidades humanas. E assim cultivou a psicologia das profundidades. Roseline Crepy abriu-lhe os horizontes. A sua generosidade permitiu-lhe, entretanto, dedicar-se àquilo que lhe dava verdadeiro prazer: a descoberta da diversidade e a procura da luz.
Sophia era para ele igualmente referência fundamental. Não podemos compreender bem a importância essencial da autora de «Mar Novo» sem recorrer ao testemunho crítico de Alberto. Leia-se o pequeno livro «Evocação de Sophia», com prefácio de Maria Velho da Costa e posfácio de José Tolentino Mendonça (Assírio e Alvim, 2009). É uma preciosidade. É a melhor das sínteses para entender a importância singularíssima de Sophia. E lá estão, em diálogo, todos os elementos que nos são lembrados na Carta do «Livro Sexto». Na celebração dos setenta anos do Centro, Alberto já não pôde estar, mas o seu neto Martim recebeu, em seu nome, a Medalha de Mérito Cultural do governo português (ao lado do reconhecimento de Gonçalo Ribeiro Telles). Foi uma justa e inesquecível homenagem que há muito tardava, para um dos mais apurados conhecedores da literatura e da arte em Portugal. E se falámos do conhecimento finíssimo da obra de Sophia, não esquecemos o amor da arte e a compreensão exata de Carlos Queiroz ou de Agustina Bessa-Luís. Como gostava de recordar, citando Appolonyus de Tyana: «Ninguém morre senão em aparência, do mesmo modo que ninguém nasce senão aparentemente. A mudança do ser para o devir parece ser o nascimento e a mudança do devir para o ser parece ser a morte, mas na realidade ninguém jamais nasce nem ninguém jamais morre. É apenas um ser-se visível e logo após invisível…». De uma curiosidade insaciável, Alberto soube sempre trilhar caminhos inesperados e espantosos. Ainda José Tolentino Mendonça fez questão de recordar essa capacidade de espanto no vocabulário único do cultor do estudo dos astros ou da grafologia, em busca de psicologia das profundidades. Nunca deixou, por isso, de reler Carlos Queiroz: «Ver só com os olhos / É fácil e vão: / Por dentro das coisas / É que as coisas são». Isto tinha muito a ver com o que o Alberto era. «Um dia serei alegre!», com a «a mágoa de não sentir / Essa alegria sem par / que têm os santos a agir / E as crianças a brincar, / Essa alegria gerada / Numa suprema inocência / que toca de transcendência / Até as coisas de nada».
O quotidiano ligava-se ao eterno, naturalmente. Leia-se em «Ah!» com fotografias inesquecíveis de Jorge Molder (1990): «Uma casa de chá é um refúgio no meio do atropelo gritado e egoísta das cidades de hoje. Um generoso espaço de acolhimento, recomposição e encontro, quase de meditação. Uma cidade que tem casas de chá a sério dispõe de uma rede invisível de proteção contra a entropia que corrói a existência». Oiçamo-lo sempre: «É com sorridente beatitude e uma ponta de inveja que hoje lemos os livros de viagens que foram moda no final do século passado. Já no século XVIII fazia parte da educação de qualquer jovem bem nascido correr mundo, isto é, percorrer longamente a Itália num Grand Tour que, depois de completado, lhe permitiria estabelecer-se com segurança no lugar que a Providência lhe designara». Era assim Alberto, olhando sempre para os mistérios que estão para além do palpável. Ah! O Alberto continua a despertar o gosto pela vida!
Guilherme d’Oliveira Martins
Escritos de Alberto Vaz da Silva sobre cinema
Para os nossos amigos reservamos o acesso ao conjunto dos textos de Alberto sobre cinema em boa hora posto em linha pela Cinemateca Portuguesa. Deleitemo-nos com estes textos cinéfilos!