30 Boas Razões para Portugal

(XIII) O Galo de Barcelos como símbolo

Falar de um galo em Portugal não é evocar um símbolo insignificante, mas chamar à lembrança raízes culturais antigas que vêm do passado e se projetam no futuro e além-mar. Ninguém duvida de que se trata de um símbolo forte – e não é de mais lembrar que, na etimologia grega de símbolo, que significa aquilo que une, por contraponto a diábolo, o que divide… Alguns dirão, erradamente, que o galo é uma invenção relativamente recente, vinda de uma lenda, talvez seiscentista ou setecentista, de um galo que salvou um condenado injustamente ou de uma descoberta tardia nas feiras de Entre-Douro-e-Minho. Lembre-se a lenda: em algum momento da época medieval, ocorreu um crime na cidade de Barcelos que ninguém desvendava. No entanto, um jovem galego a caminho de Compostela para cumprir uma promessa foi acusado como suspeito do crime e acabou condenado à forca. Dizendo-se inocente, o jovem pediu para ser presente ao juiz, perante o qual reafirmou não ter cometido crime algum. Perante a reação de incredulidade do juiz, o jovem apontou para um frango assado na mesa do banquete que ocorria ali e disse: “É tão certo eu estar inocente, como esse galo cantar quando me tentarem enforcar”. O juiz mandou executar a sentença capital, mas à hora da execução o galo levantou-se e cantou. O juiz, desesperado, correu até à forca para tentar evitar a consumação e conseguiu que o rapaz sobrevivesse por conta de um nó desajeitado da corda. Inocentado, o galego voltou anos depois e mandou construir o Cruzeiro do Senhor do Galo, em louvor à Virgem e de Santiago… A lenda é rocambolesca, mas a simbologia do galo adotada pelos povos de origem céltica é muito enraizada. O galo de Barcelos, que Joana Vasconcelos estilizou e enriqueceu decorativamente, tornando-o ainda mais simbólico de nós mesmos, vem do nosso fundo céltico – esse fundo que António Pedro sentia no âmago de si mesmo e que o levava a gostar de gaitas de foles e das cores garridas que Amadeo de Souza Cardoso tão bem soube imprimir nas suas telas inesquecíveis e irrepetíveis. O elemento gal de Portugal não engana. Aí está o elemento indo-europeu que nos liga aos Gálatas, do Médio Oriente e da Turquia, à Galicia polaca, ao País de Gales, aos Gauleses, à Galiza – todos irmãos. Para o nosso garrido galo, é verdade que Leitão de Barros, António Manuel Couto Viana e Artur Maciel foram (a pedido de António Ferro) em busca de um símbolo popular – encontrando-o e enriquecendo-o com cores fortes e corações abertos. No entanto, já Rocha Peixoto, no século XIX, nos fala do ”Galo de apito”, que ainda se encontra nas feiras e que tem a ver com a forte simbologia de quem anuncia, na aurora, o novo dia. O nosso inconfundível galo insere-se na tradição dos druidas e no diálogo com o Oriente, mas também na simbólica cristã de S. Pedro. O galo é arauto da luz do sol, mas também sinal da verdade e da fidelidade. Tendo sido redescoberto nas feiras de Entre-Douro-e-Minho e pintado com as cores fortes que conhecemos, é o revelador de um amorável coração, do amor como contentamento descontente da lavra camoniana, mas também da saudade como lembrança e desejo e de magníficos ágapes, banquetes de amor e amizade, que encontram a sua origem na mais afetuosa das palavras gregas. Culturalmente, o galo significa o cadinho, o “melting-pot”, que nos caracteriza neste lugar onde a terra acaba e o mar começa, Finisterra. O Pop Galo, na expressão de Joana Vasconcelos, liga a cultura popular e a cultura erudita – e liga o presente ao passado e ao futuro. Naturalismo e espiritualismo aqui se encontram como no-lo disse Pascoaes. Tradição e modernidade estão aqui. Os azulejos portugueses são, afinal, reminiscência do Oriente! Eis por que motivo a referência às raízes antigas tradicionais, históricas e populares constitui um elo intenso que nos permite perceber que uma identidade cultural ou linguística apenas pode afirmar-se se não se fechar sobre si mesma e se se relacionar com outras realidades e influências. O tema da identidade cultural exige a compreensão de que só a abertura e o diálogo, a relação fecunda entre a herança e a memória, o entendimento dinâmico de património podem permitir o desenvolvimento de uma cultura de paz e de respeito mútuo. A identidade que cristaliza morre. A memória que se centra exclusivamente no passado mítico torna-se pobre, ensimesmada e ressentida. Como podemos entender o artesanato de Rosa Ramalho e de José Franco ou o Candomblé brasileiro e a religiosidade sincrética – reunindo animismo e tradição cristã – que liga o Senhor do Bonfim à corte dos orixás, tão presentes desde S. João Baptista de Ajudá a Salvador da Bahia? Oxalá, o grande Senhor de Todos, e Iemanjá, a Deusa do Mar, dominam esse Olimpo. E o galo é a ave de batalha, o anunciador de bons augúrios. Eis por que razão o Galo não é uma marca regionalista ou de recente data, é uma marca antiga e um passo universalista. Afinal, trata-se de um símbolo para ir, pela crítica, pela aventura e pela viagem, além dos mitos.

GOM

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