UMA FAMÍLIA DE
ARTISTAS
Originário de uma família na qual as Artes tiveram sempre um papel muito
importante, Manuel Ivo Soares Cardoso Cruz era filho do maestro Ivo Cruz
(1901-1985) e formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa. Recorde-se que o Pai do Maestro teve uma
longa carreira no Conservatório Nacional, onde trabalhou com Vianna da Mota, a
quem sucedeu na direção da instituição (1938-1971), tendo iniciado a sua
formação musical em Lisboa com António Tomás Lima e Tomás Borba, tendo estudado
depois em Munique Composição, Direção de Orquestra, Estética e História da
Música. Fundou a Sociedade Coral Duarte Lobo, para a execução da música
portuguesa pré-clássica, tendo ainda promovido as primeiras audições modernas
de compositores como Carlos Seixas (1704-1742) e João de Sousa Carvalho
(1745-1798). Entre vasta produção, inclusive literária na revista
“Contemporânea” (1915-26) e “Música” (1924-25), sua obra é vasta, sendo
porventura a mais conhecida a Sinfonia de Amadis, estreada em
Lisboa em 1953. É assinalável a coleção bibliográfica que reuniu e se encontra
na Biblioteca Nacional de Portugal, na qual se inclui o maior conjunto
conhecido de autógrafos de João Domingos Bomtempo (1775-1842). Lembra-se este
percurso, uma vez que o filho, com grande autonomia de estilo e de cultura,
desenvolveu o conhecimento e a divulgação da história da música portuguesa, em
especial quanto à sua projeção internacional. É, aliás, fundamental a
bibliografia que Manuel Ivo Cruz (filho) produziu e que é fundamental para o
conhecimento da História da Música em Portugal – como “O Teatro Nacional de S.
Carlos” (Lello, 1992) e “O Essencial sobre a Ópera em Portugal” (INCM. 2008). O
conhecimento da ação de D. João V no desenvolvimento da cultura musical em Portugal,
em especial com a fundação em 1713 da Escola de Música do Seminário da
Patriarcal mereceu da parte do Maestro Manuel Ivo Cruz um interesse especial,
que permite compreendermos melhor a importância da música na cultura
portuguesa. Não esquecemos, por outro lado, no seu ambiente familiar, a obra
que tem sido desenvolvida no domínio da História do Teatro pelo irmão do
Maestro, Duarte Ivo Cruz, dirigente do Centro Nacional de Cultura, em tantos
domínios complementar da de Manuel Ivo Cruz.
UM TALENTO REVELADO DESDE CEDO
Com sólida formação musical, deu o seu primeiro concerto ainda estudante, com
19 anos, tendo sido bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo-se
diplomado com distinção, como maestro, na Academia de Mozart da Universidade de
Salzburgo, na Áustria. Regressado a Lisboa, foi diretor musical e chefe da
Orquestra Filarmónica de Lisboa, tendo dirigido programas de música na
Radiotelevisão Portuguesa (RTP), colaborando nas temporadas de ópera do Teatro
da Trindade, em Lisboa, e nos concertos das orquestras sinfónicas da então
Emissora Nacional. Foi ainda maestro-diretor do Teatro Nacional de São Carlos,
sendo o grande animador dos Cursos Internacionais da Costa do Estoril, e
maestro convidado, com grande sucesso, em Espanha, Alemanha, França, Grécia,
Itália, Brasil, Estados Unidos da América, Rússia e Venezuela. Foi presidente e
diretor artístico do Círculo Portuense de Ópera, no Porto, e da Ópera de Câmara
do Real Teatro de Queluz. Como grande pedagogo, foi estudioso e divulgador de
obras musicais portuguesas menos conhecidas, fazendo, para isso, investigação
na área da musicologia histórica portuguesa e apresentando um vasto reportório
documentado e publicado pela EMI, Numérica, Tecla, Jorsom e Solemio. Em 1969,
Manuel Ivo Cruz recebeu o Prémio Moreira e Sá do Orfeão Portuense e foi
distinguido pela França com o título de Oficial de Mérito Cultural e Artístico,
pelo Brasil com a Ordem do Rio Branco e em Portugal com o Grande Oficialato da
Ordem do Infante D. Henrique. Em 2004, nas comemorações do 50.º aniversário da
carreira artística, com a Medalha Municipal de Mérito, grau ouro, entregue pela
Câmara Municipal do Porto.
UMA REFERÊNCIA CULTURAL
O Maestro ministrou cursos na Universidade do Pará e em S. Paulo. Foi sócio
honorário da Sociedade Brasileira de Musicologia, Sócio Correspondente da
Academia de Letras e Música do Brasil, Membro do Conselho Português da Música,
da Associação Portuguesa de Ciências Musicais, Fundador e Vice-Presidente da
Conferénce Européenne de la Musique e do Observatoire Européen des Sciences,
des Techniques et de l’Economie de la Musique.
Ao longo dos 50 anos de carreira, o Maestro Manuel Ivo Cruz dirigiu a
maior parte das obras que se inscrevem no reportório da música sinfónica. É
porventura o Maestro português que mais óperas dirigiu, em quantidade e em
diversidade. Também dirigiu primeiras audições de obras de compositores como
António Victorino d’Almeida, Cláudio Carneyro, João Domingos Bomtempo, ou João
Pedro Oliveira. A par da sua longa atividade artística, o Maestro Manuel Ivo
Cruz cultivou uma rica bibliofilia musical que lhe permitiu reunir o acervo
documental que serviu de base ao protocolo estabelecido entre o Maestro e o
Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa. O destaque desse
espólio refere-se a fontes relevantes do Património Musical Português dos
finais do século XIX e primeira metade do Século XX, entre as quais se
encontram a obra integral do compositor Ivo Cruz (Pai) e peças de Miguel Ângelo
Pereira, Ciríaco de Cardoso e de João Arroyo entre outros. O espólio abrange
ainda partituras de orquestra, óperas, música de câmara portuguesa, muitas
delas dirigidas em primeira audição pelo próprio maestro. O acervo é ainda
enriquecido por libretos dos séculos XVIII e XIX, gravuras, discos, coleções de
postais e programas de concerto e ainda por inúmeros livros de referência.
Guilherme d’Oliveira Martins
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