Morreu João Mesquita
(1957-2009)
O jornalista João Mesquita, presidente do Sindicato dos Jornalistas entre 1989 e 1993, morreu vítima de doença pulmonar. Iniciou a sua actividade profissional com 22 anos e trabalhou em diversos órgãos de informação, como o Independente ou A Capital. Era actualmente colaborador do jornal Expresso e da revista ‘Rua Larga’ da Universidade de Coimbra’.
Publicamos aqui a crónica de José Manuel Fernandes sobre a morte do jornalista, no Jornal Público de hoje.
Opinião: Morreu um homem de carácter, adeus João Mesquita
12.03.2009 – 13h37 José Manuel Fernandes
A notícia da morte do João Mesquita chegou-me hoje de manhã, bem cedo. Por um amigo comum, o Henrique Monteiro, director do “Expresso”. Via Twitter. E, quando ainda se misturavam as emoções e as memórias, partilhei, também no Twitter, o que sentia: morrera um homem de carácter. Os 140 caracteres não me permitiram acrescentar que essa é uma qualidade cada vez mais rara nos dias que correm, mas que o João tinha como poucas pessoas que conheço.
Conheci-o aí uns dois anos antes do 25 de Abril, tínhamos ambos 15 anos, nas reuniões do MAEESL, a associação de estudantes do ensino secundário de Lisboa, então semi-legal. Usava então o cabelo pelo meio das costas (até ao dia 16 de Dezembro de 1973, em que eu, ele e mais uns 160 estudantes fomos presos por uma noite e todos os rapazes saíram com o cabelo rapado…) e fazia parte do pequeno grupo que aguentava sempre até ao fim nas reuniões mirabolantes que entravam pela noite dentro. Esses anos e os da revolução vivemo-los com uma intensidade hoje difícil de imaginar, e o tempo em que, já militantes de uma organização clandestina, fui controleiro dele, deixou-me recordações poderosas sobre essa espécie de mundo paralelo em que viviam os – literalmente – “maoistas de calções”.
Estivemos depois juntos na fase final da “Voz do Povo”, com o João Carlos Espada, o Nuno Pacheco, o Henrique Monteiro. Já nos estávamos a afastar da UDP, uma das organizações que esteve na base do actual Bloco de Esquerda, e o jornal sobreviveria pouco tempo. Na década de 1980 andámos por jornais diferentes – foi quando ele passou pelo efémero “Notícias da Tarde” e, depois, pelo “Jornal de Notícias” – até que nos reencontramos, profissionalmente, na fundação do PÚBLICO. Nessa altura era ele presidente do Sindicato dos Jornalistas, o último em quem me revi. Não porque continuássemos a pensar da mesma maneira, pois cada um de nós, “os da Voz do Povo”, seguira o seu caminho próprio de homem livre e que pensa pela sua própria cabeça. Mais: o tempo que passáramos juntos nessas organizações mostrara-nos como é importante respeitar as ideias alheias e fizera-nos aprender o valor de uma boa discussão. E discutir com o João era sempre coisa para umas horas, que ele nunca desistia.
Quando quis regressar à Coimbra em que nascera em 1957 tive pena que abandonasse o PÚBLICO e começámos a ver-nos de forma muito mais espaçada. Guardo, contudo, uma agradável recordação da última noitada sem fim, vivida na Tocha depois de um colóquio sobre os 25 anos do 25 de Abril. A vida da sua Académica, o clube por que realmente torcia e sofria, ocupou boa parte da conversa partilhada com o anfitrião, Júlio de Oliveira, presidente da Junta de Freguesia, e onde o actual bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, fez jus à sua fama de ser quase impossível de calar.
Mas tudo isto são memórias soltas de alguém que, como pessoa e como jornalista, se distinguia pelo seu carácter, pela sua frontalidade, pela sua seriedade. Isso chegou a prejudicá-lo na carreira, nomeadamente nos anos que passou em Coimbra, pois era dos que não fazia fretes. De espécie alguma. Assim como não transmitia recados. Ele era, como já disse, um homem livre e fiel àquilo em que acreditava. Também por isso trabalhou nos últimos anos como “free-lance”.
Morreu na madrugada de hoje, em casa, na cama, ao lado da Clara e deixou uma filha com 10 anos. Morreu de cancro e os seus muitos amigos sabiam que um dia receberiam a notícia que hoje nos tocou à porta. Mas nunca estamos preparados para esse momento. Eu, pelo menos, não estava. Adeus João, e que a referência da tua integridade perdure e ajude todos os jornalistas que te conheceram a escolherem bem no momento das escolhas difíceis.