George Orwell, pseudónimo de Eric Arthur Blair (1903-1950), é porventura o mais célebre dos cultores da literatura distópica no século XX, tendo escrito “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” (1949) e “Animal Farm” (“O Triunfo dos Porcos”, 1945) obras referenciais ao lado de “Farenheit 451” de Ray Bradbury (1963), “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley (1932) e “Nós” de Yvegeny Zamyatin (1924).
Winston Smith é o protagonista da novela, membro do Partido Externo (Outer Party), que trabalha para o Ministério da Verdade, responsável pela propaganda. Reescreve notícias dos jornais do passado, no sentido de as pôr de acordo com a ideologia do Partido. O Ministério destrói igualmente todos os documentos que contrariem a versão oficial dos acontecimentos. Smith é um trabalhador diligente, mas odeia intimamente o Partido e sonha com a rebelião contra o Grande Irmão. A tirania era supervisionada pelo Big Brother (o Grande Irmão), líder do Partido, que pratica o culto da personalidade, buscando o poder próprio pelo poder, com subalternização do bem dos outros. Uma ostensiva preocupação em definir a verdade como realidade exclusiva e incontestável (hoje falaríamos em pós-verdade) levou George Orwell a utilizar expressões e termos como: duplipensar, crime de pensamento, novilíngua, teletela ou 2 mais 2 igual a 5.
O romance tem lugar na “Pista Número Um”, o novo nome de Inglaterra, sob o regime totalitário do Grande Irmão e da sua ideologia “IngSoc”. Diariamente, os cidadãos deveriam parar de trabalhar durante dois minutos para se dedicarem a exorcizar o “traidor” foragido Emmanuel Goldstein e, em seguida, para idolatrar a figura do Grande Irmão. Smith não tem memória da infância ou dos anos anteriores à mudança política e, ironicamente, trabalha no serviço de retificação de notícias já publicadas, publicando versões retroativas e “retificadas” de edições históricas do jornal “The Times”. Estranhamente, começa a interessar-se perigosamente pela sua colega de trabalho Julia, numa sociedade em que o sexo sem procriação é considerado crime. Ao mesmo tempo, Winston é persuadido por O’Brien, um burocrata do círculo interno do “IngSoc”, no sentido de impedir que abandone a fé no Grande Irmão.
“Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” é uma metáfora sobre o poder. George Orwell escreveu-o para denunciar o risco das sociedades modernas se deixarem dominar pela tirania do pensamento único, da idolatria e da mistificação confundida com a verdade. São os totalitarismos de diversas orientações que estão em causa, uma vez que Orwell antecipa o risco de o Estado controlar o pensamento dos cidadãos, designadamente através da manipulação da língua. Daí a criação pelos especialistas do Ministério da Verdade da “novilíngua”, que, uma vez completa, impediria qualquer opinião contrária ao regime. “Duplipensar” era, aliás, uma das mais curiosas palavras da Novilíngua correspondente a um conceito segundo o qual era possível ao indivíduo aceitar simultaneamente duas crenças diametralmente opostas – justificando a mentira. A Teletela era um televisor que permitia ver como ser visto, sendo o padrão de fundo a figura inanimada do Big Brother. Segundo a teoria da Guerra, o objetivo desta não seria vencer um inimigo nem lutar por uma causa, mas sim manter o poder das classes dominantes, limitando o acesso à educação, à cultura e aos bens materiais. A guerra serviria para destruir os bens materiais produzidos pelos mais pobres e impedir que acumulassem cultura e riqueza. Assim, um dos lemas do Partido, “guerra é paz”, era explicado por Emmanuel Goldstein: “Uma paz verdadeiramente permanente seria o mesmo que a guerra permanente”.
Muito se discutiu sobre a razão de ser do título por extenso de 1984, mas a explicação mais plausível é que se trata do anagrama do ano em que o romance foi escrito, trocando os dois últimos algarismos, para aproximar a realidade da Inglaterra de 1948…
Agostinho de Morais