No seu último “Escrito do mês”, na página da Fundação Betânia, que criou e à qual presidia, dizia: “A ecologia de que fala a [encíclica do Papa Francisco] Laudato Si’ é, assim, simultaneamente, uma ecologia ambiental mas também económica, cultural, política, bem como uma referência para a ecologia na vida no quotidiano.”
Esta afirmação sintetiza a visão de Manuela Silva, que morreu nesta segunda-feira, 7 de outubro de 2019, em Lisboa. O corpo poderá ser velado a partir desta terça-feira e a missa de corpo presente está marcada para quarta, 9, às 14, na Igreja da Ressurreição, em Cascais, após o que se realiza o funeral. Confessava que “gostaria de ter sempre” um olhar esperançoso sobre a realidade”.
Economista de formação e profissão, foi a primeira (com Alfredo Bruto da Costa) a dinamizar estudos sobre a realidade da pobreza em Portugal. A propósito repetia amiúde que o fenómeno da exclusão social é evitável e insustentável e que isso só pode resolver-se mediante a transformação radical na forma de organizar os recursos e de os partilhar, ou com conceitos como “uma nova concepção do trabalho, da empresa, de repartição dos recursos, de responsabilização dos agentes económicos, do controlo dos mercados financeiros”, como dizia numa entrevista ao Público.
O título do texto citado diz muito, também, do seu modo de estar: “Ampliar as perguntas e ser coerente com as respostas” – a coerência era uma virtude que buscava em permanência. Apesar – ou por causa – da economia, nunca deixou de dar atenção a outras áreas como a espiritualidade cristã, a formação, a educação, o empenhamento nas questões da justiça e da paz ou o desenvolvimento. Ou também sobre o desenvolvimento comunitário, repartição do rendimento e retorno de emigrantes.
Nos últimos anos, a par da luta contra a doença, e na sequência da publicação da Laudato Si’, tinha dinamizado a rede Cuidar da Casa Comum, composta por pessoas, instituições e grupos atentos à emergência climática e que se propõe sensibilizar as igrejas cristãs e a sociedade para a urgência da conversão ecológica. Para ela, este empenhamento sintetizava muito do seu pensamento, uma vez que os problemas ambientais são reflexo da má distrbuição da riqueza, da sobre-exploração de recursos, dos investimentos que continuam a destruir o planeta e o futuro das gerações mais jovens e, ao mesmo tempo, criam franjas enormes de novos pobres.
“Uma Igreja mais feminina”
Nascida a 26 de junho de 1932, em Cascais, Manuela Silva licenciou-se e foi professora catedrática convidada no Instituto Superior de Economia e Gestão (da então Universidade Técnica de Lisboa), entre 1970 e 1991. Na mesma escola receberia, em Julho de 2013, o doutoramento honoris causa. No Instituto de Ciências Sociais foi também investigadora honorária.
Foi secretária de Estado para o Planeamento no I Governo Constitucional (1976-77) após a implantação da democracia, em 1974, trabalhou em vários grupos de trabalho no âmbito da Comissão Europeia e do Conselho da Europa e presidiu à assembleia geral do Cesis (Centro de Estudos para a Intervenção Social). Foi membro do Graal, movimento internacional de mulheres católicas, na década de sessenta, e presidente do Movimento Internacional dos Intelectuais Católicos/Pax Romana (1983-87), da Juventude Universitária Católica Feminina (1954-1957) e da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Igreja Católica (2006-08).
Manuela Silva criou ainda a Fundação Betânia, em 1990, que se propõe, entre outras coisas, “suscitar a procura de novos alicerces culturais e espirituais” ou “criar espaços de beleza, de silêncio, de interioridade e de comunhão, que incentivem o encontro mais fundo de cada pessoa consigo própria, com os outros, com natureza e com o Absoluto”.
Entre as obras por ela publicadas, que reflectem muitas das suas preocupações, estão Dizer Deus – Os textos da fé na leitura das mulheres, Teologia e Género – Perspectivas, ruídos, novas construções, Ouvi do Vento, No Jardim do Peixe e Resiliência Criatividade Beleza.
Em outubro de 1999, faz agora vinte anos, dizia, numa entrevista ao PÚBLICO: “Acredito ou quero acreditar que a Igreja do futuro terá um jeito mais feminino e menos petrino do que o que conhecemos.” E, citando um verso de Sophia – “Dançam de alegria porque o mundo encontrado é muito mais belo do que o imaginado.” – dizia que essa era uma visão da esperança. “Eu gostaria de ter sempre esse olhar esperançoso sobre a realidade, qualquer que ela seja. É um modo de olhar que permite ver, no meio de ruínas, as flores que nelas desabrocham.
In “Sete Margens”, 8 de outubro de 2019