A melhor resposta julgo ser a de que tal se deveu ao envolvimento das escolas, e em especial da Rede das Bibliotecas Escolares nas celebrações. Devo dizer, aliás, que os centros de recursos e as bibliotecas escolares têm desempenhado um papel extraordinário no âmbito da formação cívica e da intervenção cultura das comunidades. E lembro o papel fundamental de Teresa Calçada, no lançamento das bases do projeto, e agora por Manuela Pargana da Silva no sentido da criação de uma dinâmica de cooperação e de rede de que têm beneficiado as escolas, as comunidades e as famílias. E está demonstrado que a qualidade das aprendizagens melhora significativamente quando existe uma integração exigente da leitura no sentido da transformação da informação em conhecimento e do conhecimento em sabedoria. O incentivo à leitura, mas também a criação de centros vivos de diálogo, de debate e de reflexão são fundamentais. As bibliotecas devem ser, assim, polos de encontro entre diversas áreas e formações. E lembro a tradição antiga, no norte da Europa, da aprendizagem do falar em público, dos textos de cor, da representação teatral, da existência de lugares para a leitura e do diálogo entre as artes e as ciências. António Sérgio na sua “Educação Cívica” falava da “República Escolar”, no sentido da partilha de responsabilidades desde a infância e do contacto precoce com as lições de coisas e com os clássicos. No velho Liceu de Pedro Nunes, Rómulo de Carvalho ensinou-nos que as experiências científicas se assemelhavam às representações teatrais – com tempos certos, rigor e alegria de bem-fazer. E assim lemos os clássicos contados aos jovens e lembrados ao povo, representámos Gil Vicente e Garrett, usámos os laboratórios e aprendemos a beleza dos números com o inventor do Nónio.
Falando de património cultural, vimos como as escolas se entusiasmaram com a escolha de um monumento ou de uma tradição, de um templo ou uma especialidade gastronómica, conhecidos e próximos, mas também existentes noutro país, uma vez que a cultura ou é aberta e disponível, ou torna-se fechada e decadente. Quando Isabel Alçada nos propôs a ideia de pôr as escolas a escolherem os exemplos de património cultural e de as envolver nesse trabalho de aprendizagem, de construção e de criação, percebi que tal teria um significativo efeito multiplicador, como de facto teve… E lembrei-me da experiência das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, sob o impulso de Azeredo Perdigão e a ação de Branquinho da Fonseca. É sempre com emoção que oiço testemunhos de pessoas de todas as condições, a lembrarem que ansiavam pela chegada das carrinhas pão-de-forma, e sobre o bem que lhes fez, por permitir o primeiro acesso à leitura de muita gente. Hoje, os tempos mudaram, mas as redes de leitura e as bibliotecas escolares têm virtualidades a ser aproveitadas e aprofundadas.
O tema do património cultural e do seu valor económico e social é da maior atualidade e obriga à compreensão de um conjunto de questões que se relacionam com a proteção e salvaguarda dos monumentos e dos documentos, mas também do património imaterial, desde as tradições à língua, da natureza e da paisagem, do mundo digital à criação contemporânea. Os alertas lançados relativamente ao meio ambiente e à sustentabilidade, o pensar local e o decidir local, as preocupações quanto ao aquecimento global, a defesa das energias renováveis e limpas, a atenção e o cuidado que considere os apelos dramáticos quanto ao risco da destruição do planeta – tudo tem de ser devidamente ponderado, de modo que a humanidade encontre soluções humanas, que salvaguardem a qualidade de vida, a equidade entre gerações e uma sustentabilidade com sentido ético, para pessoas e cidadãos livres e responsáveis. A consideração do património cultural ganha uma importância crescente – mas não o entendimento das identidades culturais que se fecham sobre si e se absolutizam ou relativizam (porque os extremos se tocam). Urge desenvolver a ligação entre o património comum, os valores humanos universais e o equilíbrio entre diferenças, complementaridades e subsidiariedade. Daí que o valor cívico e ético das aprendizagens de qualidade tenha de estar na ordem do dia.
por Guilherme d’Oliveira Martins in Visão