“Na área vastíssima e descontínua em que é falado, o português apresenta-se como qualquer língua viva, inteiramente diferenciado em variedades que divergem de maneira mais ou menos acentuada quanto à pronúncia, à gramática e ao vocabulário” (dizem-no Celso Cunha e Lindley Cintra). Não é este o lugar para entrar em precisões técnicas, encontramos, porém, no continente europeu três grupos dialectais: galegos, portugueses setentrionais e portugueses centro meridionais. A língua originou-se em território galego e desenvolve-se para sul, havendo um movimento meridional ditado pela influência vocabular arábica. A língua-padrão do português é a centro-meridional – ditada pelo eixo Coimbra-Lisboa, em virtude da influência escolar das Universidades mais antigas. Nos dialetos setentrionais, há uma certa persistência da distinção nas sibilantes, entre coser um botão e cozer na cozinha, com sonorização no segundo caso, o que tende a desaparecer na língua-padrão. Há ainda na área setentrional a pronúncia do b para o v gráfico (“nós os do Porto podemos trocar os b pelos v mas nunca a liberdade pela tirania”, na expressão de Garrett), o tch pelo ch nos dialetos nortenhos e galegos e a monotongação (ôro) e a não monotongação (ouro) na distinção entre o falar centro-meridional e o setentrional… Nos dialetos dos Açores e Madeira há um prolongamento das tendências centro-meridionais do continente, com fechamento dos ditongos, o que dificulta a clareza da expressão. Mas é no vocabulário que podemos encontrar mais distinções. Vejamos alguns poucos exemplos; diferença entre espiga e aloquete (norte) e maçaroca e cadeado (sul). Especificidades do Porto: cachaço (pescoço), carago (interjeição), chuço (chapéu de chuva), quarto de banho (por casa de banho), bolinho de bacalhau (por pastel de bacalhau no sul), cimbalino (café expresso, bica em Lisboa), fino (imperial no sul), conduto (prato principal), morcão (lorpa), canalha (grupo de crianças). Características beirãs: cruzeta (cabide), saraiva (granizo), cagaréu (barulho), cachopo (criança). Elementos alentejanos: cagaço (medo), cachola (cabeça), rijeza (frio). Expressões do Algarve: moce marafado (jovem irrequieto), quemodo (porque), que jête (que feitio), alcagoitas (amendoins), albricoques (damascos), griséus (ervilhas)…
E fica uma pequena história, para ilustrar como a língua viva é traiçoeira e nos escapa absolutamente. Contou-me Luís Forjaz Trigueiros que, em chegando ao Brasil, foi a uma loja comprar uma vestimenta para o fresco da noite e pediu à empregada do modo mais soletrado que podia – “Desejo a camisola castanha, que está na montra!”. Julgava ele, cultor da melhor língua, que não haveria dúvidas. Mas deparou-se com o maior espanto. “Não entendo, senhor”. E ele repetiu com todo o cuidado, mas a incompreensão persistiu. E foram ambos até à montra do estabelecimento, para que a dúvida se desvanecesse… Apontando para o artigo, recebeu um ah! de espanto da simpática menina: “Poderia já ter dito… o que o Senhor deseja é o pullover marron que está na vitrine…”. Afinal, camisola é pijama e quanto ao mais as palavras originais caíram em desuso… E lá foi aviada a compra. E comentou-me Forjaz Trigueiros: “Nem uma só palavra era portuguesa”… São as vicissitudes de uma língua viva!
GOM