Destaque

Gonçalo Ribeiro Telles 100 Anos

O Centro Nacional de Cultura homenageia hoje, dia 25 de maio a memória de Gonçalo Ribeiro Telles, membro do núcleo fundador, no dia do seu centenário.
É uma grande honra ver como o seu pensamento e o seu exemplo estão vivos.

Gonçalo Ribeiro Telles é uma referência na cultura portuguesa em todos os domínios em que exerceu atividade ou em que fez sentir o seu magistério cívico. Naturalmente que, como Arquiteto Paisagista, o seu lugar, ao lado de uma plêiade notável de portugueses, tornou-se um autêntico símbolo. E hoje pode dizer-se que ocupa uma posição central entre os pioneiros e os discípulos. A sua notoriedade tornou-se marcante, uma vez que soube aliar o domínio da sua arte e da sua ciência, a uma constante ação de mobilização de cidadania em torno do equilíbrio ecológico e da conciliação entre a tradição e o progresso. Daí que a sua voz continue a levantar-se e a ter de ser ouvida, contra todos os atentados que têm levado à destruição de relações equilibradas entre as pessoas e a natureza. Dir-se-á que a história humana está cheia de tendências destruidoras do património cultural, entendido no sentido amplo, desde as cidades e os edifícios até às paisagens, desde as artes tradicionais até à vida comunitária. No entanto, o que Gonçalo Ribeiro Telles sempre nos ensinou foi que a democracia para se consolidar precisa de cuidar da memória e da cultura, como fatores de humanização – de modo que o ser prevaleça sobre o ter e que a dignidade humana seja o denominador comum da vida em sociedade.

Se nos sentimos muito bem nos jardins criados por Gonçalo Ribeiro Telles, a verdade é que nos textos que assina deparamo-nos com uma sólida demonstração de que o múnus, isto é, o serviço, que devotamos ao que recebemos das gerações que nos antecederam constitui uma responsabilidade e uma exigência capazes de conciliar a fidelidade em relação ao que recebemos e a criatividade para manter viva essa herança. E se falo de múnus é porque a palavra «património», longe de ter um significado estático ou retrospetivo, tem um sentido dinâmico de serviço relativamente ao que herdámos ou recebemos. E a parábola dos talentos vem sempre à nossa lembrança, certos de que Gonçalo continua a insistir em que não devemos enterrar o talento recebido, devendo antes pô-lo a render com o tal respeito da memória e da cultura. O jardim é a verdadeira metáfora da ação criadora de Deus em diálogo com o homem – por isso o confronto entre os textos e aquilo que nos tem sido legado pelo Arquiteto Paisagista é um motivo muito especial para compreendermos a cultura como ponto de encontro entre a compreensão da natureza e a capacidade humana de a transformar.

«O homem desempenha na modelação da paisagem um papel muito importante; pode ser considerado, neste aspeto, como um autêntico criador de beleza. Toda a atividade humana tem como fim a satisfação das suas necessidades, quer espirituais, quer materiais. (…) A paisagem terá de ser considerada como um todo orgânico e biológico em que cada elemento é interdependente, influenciando e sofrendo da presença dos restantes participantes. A reciprocidade é a lei fundamental da natureza». Estas são palavras de 1956, mas poderiam ser escritas hoje. Centrando-se na pessoa e no seu sentido comunitário, Gonçalo Ribeiro Telles apela a uma natureza equilibrada, na qual a lembrança e o desejo, a memória e a criação se encontrem. E a ideia de reciprocidade representa a importância de uma relação diferenciada, com influências cruzadas de interdependência e complementaridade.

A democracia precisa de ser vivida como relação entre pessoas, como domínio da imperfeição, como fator de criação, como respeito dos direitos e liberdades fundamentais, como participação e como partilha de responsabilidades. Gonçalo Ribeiro Telles, ao defender uma perspetiva humanizadora da sociedade e ao pôr as pessoas em diálogo criador com a natureza, chama-nos a agir e a comprometer-nos – não cedendo à indiferença nem ao conformismo. «Cada geração tem uma parcela relativamente pequena na construção de uma paisagem, podendo, no entanto, ter um papel profundo na distribuição do equilíbrio geral»…

Guilherme d’Oliveira Martins

Subscreva a nossa newsletter