Se Alberto Vaz da Silva estivesse connosco elaboraria com todo o gosto esta nota, perante a notícia da morte de Franco Maria Ricci, o grande desenhador gráfico, editor e colecionista. Alberto era uma admirador confesso da obra de FMR. Na sua biblioteca estavam muitos exemplares das extraordinárias obras de quem deu à sua revista o significado das suas iniciais “Ephemère”. Franco morreu há dias, com 83 anos, em “La Magione” a sua casa arquivo de Parma, descendente de uma grande família aristocrática. Não era um homem do passado, mas um amante do património vivo e intemporal. Para si a beleza era de sempre. Era um amante dos objetos, como tesouros e símbolos do homem civilizado. Cada elemento do património cultural era uma amostra poética, cada livro era uma parcela da antiga “humanitas” de Cícero, a que hoje chamamos cultura. Em 1972, iniciou a publicação contemporânea da “Encyclopedie de Diderot et d’Alembert”, monumento do Século das Luzes. Iniciou ainda as coleções “Quadreria” e “Segni dell’Uomo”. E em 1977, Jorge Luis Borges cria para Ricci a célebre “Biblioteca de Babel”. Se eram amigos, Borges e Ricci aproximaram-se definitivamente. Em 1982, Ricci lança com sua mulher Laura Casalis, com Giulio Confalonieri, Massimo Listri, Vittorio Sgarbi e Giovanni Mariotti a revista de arte com fundo negro que se tornou um fenómeno internacional, com edições em francês, espanhol, alemão, e repercussões em Portugal. A coleção da revista é uma preciosidade – os seus temas são fantásticos clássicos, maneiristas, barrocos… Em “La Magione”, um casarão dos séculos XVIII e XIX, propriedade familiar, que FMR tornou um monumento, FMR instalou o arquivo editorial nos baixos, decorados como um teatro clássico, com colunatas e bustos neoclássicos, entre a selvagem vegetação exterior que lhe dá uma beleza a um tempo civilizada e silvestre. Ali está o melhor da sua coleção, que vimos há anos em pequena mostra no Museu de Arte Antiga, o inventário das edições pinceps e uma coleção única em torno do genial tipógrafo Gianbattista Bodoni (1740-1813). Jorge Luís Borges era o guia moral do editor – partilhando influências com Italo Calvino, Georg Steiner, Carlo Emilio Gadda, Umberto Eco, além de William Saroyan, Roland Barthes e Patrick Mauriès. Franco Maria Ricci tinha a paixão do rigor gráfico e da originalidade das ideias. Como diria Leopardi a sua aventura editorial durou o que duram as mais belas flores cortadas do jardim para decorarem belos salões. Mas não se esqueça que a sua vida esteve cheia de altruísmo e filantropia. Não esquecemos a iniciativa tomada com Jacqueline Kennedy de editar o discurso de Paulo VI na ONU sobre a cultura da paz, para reunir fundos para restaurar a Biblioteca de Florença atingida pelas terríveis inundações de 1966. Em 2004 mostrou numa soberba exposição em Reggia di Colorno as suas joias, cerca de 1000 peças de primeiríssima qualidade e valor. Tudo pode ver-se na galeria de “La Magione” ao lado do mítico labirinto de bambú da casa de Fontenellato… Ricci é alguém que continua bem presente na nossa memória. A estas horas, FMR já encontrou Alberto e entabularam por certo a mais fantástica das conversas…
Franco Maria Ricci (1937-2020)
16 Setembro, 2020
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