De autocarro até Thanlyin (Sirião), atravessando o rio. Aqui se estabeleceu a antiga feitoria portuguesa por iniciativa de Filipe de Brito e Nicote.
Com o conhecimento e o sentido de humor de Luís Filipe Thomaz, compreendemos as três faces da presença portuguesa na Ásia – o Império, os mercadores e os mercenários. A política oficial, a definição estratégica militar e administrativa, aliada à ação dos mercadores, sobretudo no litoral, exercendo comércio asiático, que permitiu, pela miscigenação, a criação de uma rede de luso-descendentes ativos (que perdurou), acrescendo as aventuras incertas dos mercenários no continente, com resultados díspares.
No caso de Sirião, temos um pouco de tudo. O interesse inicial de Albuquerque de ter alianças com os gentios budistas, o intenso comércio que se estabelece a partir de Malaca e a aventura protagonizada por Brito e Nicote – que começa por uma feitoria mercantil e dá lugar a um forte militar, legitimado politicamente a posteriori, que tem muito de aventureirismo mercenário… O Forte e a Igreja de Santiago marcam a presença portuguesa, ainda que mercê de uma escrita direita por linhas tortas.
A antiga fortaleza de Sirião (Thanlyin) é apenas uma recordação. Segundo as descrições que chegaram até nós tinha quatro portas, segundo os pontos cardeais, com muros sólidos, torres de observação, guaritas e um fosso circundante.
A comunidade de portugueses misturados com originários da terra construiu duas igrejas para o culto cristão e sabemos que o papiar era a língua franca do comércio e da catequese. No entanto, o que resta da Igreja que hoje ainda pode ser vista é de construção italiana em tijolo, e data de meados do século XVIII, correspondendo não a uma iniciativa portuguesa do Padroado do Oriente, mas à ação romana da Propaganda Fide (com superintendência do Padre Paolo Maria Nerini), da responsabilidade dos missionários barbanitas.
O certo, porém, é que a igreja de Santiago serviu os luso-descendentes de Sirião – e o que resta corresponde a parte da abside e das paredes laterais, estrutura que abriga antigas pedras tumulares alusivas a luso-descendentes falecidos em meados do século XVIII, quando os portugueses já não detinham poder político.
A placa que se lê no que resta do templo diz: «Antiga Igreja portuguesa / Era cristã (1749-1750)». Apesar das vicissitudes históricas, é a marca de Portugal que se faz sentir.
Depois do almoço no Restaurante Pandomar, verifica-se a imersão total nas antigas raízes deste povo antigo de múltiplas influências.
Mas o mais espetacular de Rangum é, sem dúvida, o célebre Pagode, em torno do qual os pescadores criaram a cidade, a partir de uma lenda, de oito cabelos de Siddartha Gantama, fundador do Budismo. Dois irmãos mercadores trouxeram até aqui os cabelos que tinham pedido a Buda, num cofre de esmeraldas – tendo a incumbência de construir um Zedi (Stupa) na Serra de Singuttara. Quando os mercadores Tapussa e Bhallika abriram o cofre, para colocarem o conteúdo no templo, houve uma milagrosa chuva de pedras preciosas, que seriam incrustadas na principal torre do Pagode.
O templo de Shwedagon, construído entre os séculos VI e X da nossa Era (e não antes, como pretende a lenda) é um símbolo religioso que atrai muitos peregrinos por motivos sagrados e de curiosidade. Aí recolhem-se as relíquias do Buda, as cinzas de outros três veneráveis Budas e os monumentos funerários de Supayalat, última Rainha da Birmânia (1859-1925), de Daw Khin Kyi, mulher do herói da independência Aung San e mãe da Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz, bem como de U Thant, antigo Secretário-Geral das Nações Unidas.
Templo Shwedagon – grande stupa
O zedi ou stupa, um imponente cone dourado, atinge 98 metros de altura e a base é feita de tijolos cobertos com placas de ouro (há 700 quilos do metal precioso), sendo rodeado de 64 pagodes pequenos. Na flecha principal estão penduradas cerca de 1500 sinetas de ouro e prata, um catavento ornado de pedras preciosas e uma esfera de ouro com milhares de diamantes e uma esmeralda de 76 quilates. Brito e Nicote chegou a roubar do Pagode um sino de 30 toneladas, oferecido pelo Rei Dhammazedi no século XV, mas um naufrágio deixou-o no fundo do rio.
É o Budismo Teravada (Escola da Análise) que domina em Mianmar, cujos monges têm tido um papel muito importante da defesa da cultura e da abertura. A arquitetura e a decoração dos diversos elementos que constituem Shwedagon são riquíssimas e deslumbrantes.
Fica o brilho do ouro na retina dos visitantes.
Guilherme d’Oliveira Martins