«No reino de Cornao que se chama Sião onde estive por duas vezes (diz Fernão Mendes Pinto), estive na cidade de de Odiá (Aiútia) que é corte d’El-Rei. Afirmo-vos que é a maior cousa que nestas partes vi. Esta cidade é como Veneza porque pelas mais das ruas se anda por água. Terá, segundo ouvi dizer a muitos homens, passante de duzentos mil batéis pequenos e grandes. Se são duzentos mil ou não eu não sei, mas eu vi caminho de uma légua pelo rio sem poder romper com batéis, a fora muitas feiras que se fazem nos rios ao redor da cidade que são como feiras dos ídolos. E cada uma destas feiras vão passante de quinhentos batéis e às vezes passam de mil».
Já vimos como Sião suscitou espanto e entusiasmo em Fernão Mendes Pinto… Aiútia apresenta-nos uma história rica – de Wat Phrasrisanphet, o templo que foi usado como palácio residencial, a Viharn Phra Mongkol, além de marcos significativos, com requinte artístico do budismo pragmático local.
Os primeiros portugueses que chegaram a este reino logo repararam as especificidades da língua e da escrita, com diferenças relativamente ao birmanês. Apesar de haver uma origem no sul da China por parte dos povos que aqui se fixaram – os habitantes de Sião ou da Tailândia escrevem com um alfabeto derivado do khmer, sendo o idioma próximo do falado pelo povo laociano. Os sistemas de escrita e a língua em Mianmar e na Tailândia são, pois, diferentes. As relações entre os mercadores portugueses e as autoridades de Sião foram marcadas por altos e baixos, com conflitos bastante acentuados. No entanto, não houve da parte dos portugueses intervenção nos diferendos políticos internos. Em regra prosseguiram as suas atividades mercantis de forma pacífica com respeito das leis do reino. Muitos portugueses participaram como mercenários nos combates entre siameses e birmaneses, havendo número significativo de portugueses na defesa de Aiútia em 1757, como já vimos.
Os primeiros missionários portugueses a trabalhar no reino de Sião foram Dominicanos – Frei Jerónimo da Cruz e Frei Sebastião do Canto, chegados em 1555. Seguiram-se os Franciscanos, os jesuítas, através do Padre Baltazar Sequeira e por fim os agostinhos com Frei Estêvão de Moura.
Na visita à igreja de S. José notou-se a presença de padres franceses. Isto deve-se ao facto de em 1622 ter sido fundada em Roma a Congregação da Propaganda da Fé, que passou a ser responsável pela coordenação e envio de missionários para terras não conquistadas por europeus, deixando a missão católica da China de estar sob a proteção exclusiva de Portugal, no âmbito do Padroado. Em 1659, foram criados três vicariatos apostólicos (Tonquim, Conchinchina e Nanquim) a partir da diocese de Macau, todos chefiados por franceses… Houve, assim, entre os missionários portugueses do Padroado e a «Propaganda Fide» um forte e duradouro diferendo que conheceu em 1690 um recuo da parte de Roma, pela reintegração de Nanquim e Pequim no Padroado Português. No entanto, a partir de meados do século XIX a França passou a ser responsável pela proteção das missões da China, ficando o Padroado apenas com Macau.
Historicamente, a atual Banguecoque nasceu sob a influência de Aiútia, reunindo duas cidades que foram crescendo em importância – Thonburi e Rattanakosin. A cidade cresceu rapidamente no século XX mercê do desenvolvimento de diversos polos do comércio asiático. Com oito milhões de habitantes, é hoje a décima cidade mais populosa da Ásia. Sente-se o fervilhar da atividade económica. Falaremos em pormenor no próximo Folhetim da Embaixada de Portugal como a mais antiga da atual capital tailandesa. Neste momento, cabe muito especialmente agradecer o excecional apoio na preparação desta complexa viagem do Embaixador Luís Barreira de Sousa e desta feita, quando está de partida, a hospitalidade excecional que o grupo dela recebeu em Banguecoque, com a Embaixatriz Drª Maria da Conceição Barreira de Sousa, a quem o CNC agradece penhoradamente.
Guilherme d’Oliveira Martins