Falar de Europa é também falar do espírito europeu, sessenta anos depois do desembarque da Normandia. Ao longo da nossa história, só conseguimos superar-nos quando fomos capazes de ultrapassar o isolamento e de sentir de onde sopra o espírito. Por isso, devemos recusar o espírito pequeno e acanhado dos lugares comuns. Há dias, tive o gosto de apresentar na “Dois” o livro de Simone Weil, “A Gravidade e a Graça” (Relógio de Água, 2004), e relacionei a obra com a antologia de “O Tempo e o Modo”. Há dias, João Bénard da Costa também recordou o livro e Simone Weil na sua imperdível coluna do “Público” – dentro do mesmo espírito. Afinal, Simone Weil levou George Steiner, sempre exigente (e muito bem) nas suas escolhas, a dizer: “Entre os grandes espíritos femininos de todo o mundo, o de Weil impressiona-nos por ser aquele que é mais evidentemente filosófico, aquele que está familiarizado com a ‘luz da montanha’ (como diria Nietzsche) da abstracção especulativa”. A obra é difícil. Lê-se com a lentidão própria das grandes reflexões, já que a luz da montanha apenas pode apreender-se, havendo disponibilidade e atenção. E é sempre o pensamento e a vida que se encontram, a cada passo. Estamos diante de um espírito inconformista, irrequieto, pronto a olhar o mundo às avessas, para o ver melhor, radical, no melhor sentido da palavra, indo ao encontro das raízes, e procurando Deus, não nos limites das nossas preocupações, mas na negação do que é vil, do que não é gratuito, do que busca interesseiramente recompensa. É a pessoa humana à procura da essência da dignidade, ciente de que a luz da montanha não se apreende apenas nas alturas, mas nos pequenos confins, onde sopra o Espírito. Ao reler Weil, recordo que, nos idos de sessenta, foi a geração de “O Tempo e o Modo” a levar-me até ao pensamento de quem mais profundamente (com G. Bernanos) denunciou, em toda a sua extensão, “Os Grandes Cemitérios sob a Lua”. E lembro o nosso amigo Fernando Melro a compará-la a Pascal… Simone nasceu a 3 de Fevereiro de 1909. Morreu a 24 de Agosto de 1943, fez há pouco sessenta anos. Foi aluna de Alain, o grande filósofo, no Liceu Henrique IV, seguiu a Escola Normal Superior da Rue d’Ulm (como Aron ou Mounier), foi professora de filosofia nos liceus, estudou matemática e física, foi operária, foi militante anarquista na guerra de Espanha. Por ser judia, foi expulsa do ensino e obrigada a fugir para os Estados Unidos (1942). Regressou à Europa, onde trabalhou em Londres para a França Livre. Desejou saltar em pára-quedas na sua pátria. A saúde não permitiu. Morreu no sanatório de Ashford, preparada, porque sabia, com Montaigne, que a filosofia é a preparação da morte. Ela, que disse: “Estou certa de que não existe Deus no sentido em que estou certa de que nada de real se assemelha àquilo que eu concebo quando pronuncio esse nome. Mas aquilo que não posso conceber não é uma ilusão”.
Guilherme d`Oliveira Martins