Temos de recusar a ideia de que há cartas marcadas na Conferência Intergovernamental. Se o compromisso a que se chegou na Convenção europeia tem de ser aperfeiçoado, exige-se que os Estados-membros se fixem no essencial. Há muito para fazer. Tem de haver o reforço dos sentimentos de pertença e o estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, em lugar da lógica dos egoísmos nacionais. Estamos perante um projecto de Constituição ? de tipo novo, supranacional e não de Estado – que estabelece princípios fundamentais e que consagra instituições que devem permitir à Europa ter uma voz audível no mundo e capacidade dissuasória, que garanta a defesa e a segurança do continente sem necessidade de recorrer à protecção interessada de outros. O mundo precisa de uma voz harmónica e clara. A eficiência das instituições e a igualdade entre os Estados não podem oferecer dúvidas. Do que se trata é de criar condições para que Estados, povos e cidadãos se sintam como participantes activos na construção europeia. Assente-se nalgumas ideias simples. A unanimidade e o veto só beneficiam os grandes Estados. O Presidente do Conselho Europeu não deve obedecer a uma lógica presidencialista, deve ser garante da coerência e da coordenação. A Comissão deve ser, como executivo eficaz, responsável perante o Parlamento, guardião do método comunitário. Não deve haver dois executivos europeus em confronto. Não basta criar o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros europeu. É preciso que haja política externa e de defesa. Numa União de Povos e Estados livres e soberanos, todas as instituições têm de sair reforçadas e com poderes equilibrados. A Comissão deve incentivar o governo económico. Temos de encarar o futuro, não mascarando reflexos nacionalistas. A diversidade cultural e a salvaguarda das identidades e línguas não se defendem pelo proteccionismo, mas a partir da livre circulação das ideias baseada no conhecimento, na inovação e na compreensão. Eis porque devemos apostar na coordenação económica, na coesão social e territorial, no emprego, na mobilidade, na cooperação científica e tecnológica, na dimensão europeia da educação e da cidadania, na ética da responsabilidade e no diálogo inter-religioso. No momento em que a UE se alarga e em que uma Constituição surge como garantia do primado da lei e do Direito e como limite ao poder e a uma lógica centralizadora, é fundamental compreendermos que as diferenças e as complementaridades constituem a pedra angular de uma reforma. A Europa não pode contentar-se com uma participação modesta no ordenamento do mundo. Uma União de Estados e Povos livres e soberanos tem de ser duplamente soberana e duplamente legítima. Mais Europa política – eis do que precisamos! Não pode haver cartas marcadas. Deve haver bom senso e capacidade de inovação!
Guilherme d`Oliveira Martins