QUE FUTURO?
Ninguém sabe qual o desfecho dos atuais acontecimentos no futuro da União Europeia, mas importa não cometer o erro crasso da indiferença ou da ilusão. Quando os britânicos fizerem, com o rigor a que nos habituaram, o cálculo dos custos e benefícios sobre o Brexit, a decisão que tomaram de abrir a Caixa de Pandora, só então poderemos vislumbrar o que irá passar-se. Até lá é prematuro tirar conclusões e não haverá adivinhos para revelarem o que lhes dizem as bolas de cristal. Uma coisa é certa – com ou sem Reino Unido, a União Europeia está muito frágil e sem soluções. A saída britânica desequilibra a frente atlântica e pode enfraquecer a componente ibérica. No entanto, será um erro muito grave continuar a discutir-se quem dos elos mais fracos vai ser apontado como mal-comportado da classe, quando o que está realmente em causa é melhorar a prestação de toda a turma que está longe de corresponder ao que dela se exige! Ouve-se no discurso político comum, na Europa de lés-a-lés, a ideia de que a resposta nacional e o fechamento das sociedades e das economias poderia ser uma resposta às dificuldades atuais. Tal lógica é a do salve-se quem puder. Se considerarmos, porém, os desafios do mundo global, depressa percebemos: que os problemas atuais se devem à incapacidade de espaços económicos médios criarem condições para o crescimento e para a coesão social; que as fragilidades dos Estados nacionais se projetam nos espaços supranacionais (a braços com a ausência de mecanismos de defesa de interesses comuns); e que a paz e a segurança obrigam à coordenação de políticas públicas que favoreçam a inovação, a melhoria da eficiência e equidade e a busca de novas possibilidades de criação de valor. A Europa fechada manterá o ramerrame da economia estagnada. A falta de audácia no tocante à mundialização impedirá o avanço do desenvolvimento humano. Eis por que razão os temas do investimento reprodutivo e da cooperação para o desenvolvimento, capazes de criar capital social e de favorecer a formação sustentável de riqueza, têm de entrar na ordem do dia. E sejamos claros: apesar da importância das medidas adotadas e aplicadas pelo Banco Central Europeu, no «Quantitative Easing», continua a faltar motivação prática dos agentes económicos para investir, correr riscos e ter condições para poder acreditar nos efeitos práticos dos recursos aplicados na qualidade do trabalho, no emprego, na aprendizagem, na experiência e no conhecimento.
O CUSTO DA NÃO-EUROPA
Percebe-se que o custo de não ter Europa ou de ter menos Europa é insustentável. Mas não se pense que falamos de um Superestado, uma superestrutura ou de uma burocracia desumanizada, falamos, sim, de uma coordenação fundamental, que seja capaz de ligar moeda, crédito, concorrência, competitividade, coesão, convergência e desenvolvimento. Tudo isto obriga a uma partilha de encargos e responsabilidades. Não se trata de harmonizar ou homogeneizar sociedades e pessoas, mas de favorecer a criatividade das diferenças. Precisamos de transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em inovação. Não se deve esquecer o que um dia disse o grande cientista Ilya Prigogine da Europa: temos de compreender que a nossa melhor riqueza é o conhecimento e a capacidade inventiva e criadora. Se repararmos bem, a maior influência de grupos populistas deve-se não ao fenómeno europeu, mas à necessidade de criar uma explicação exterior, mesmo que ilusória, para justificar a incapacidade das instituições nacionais a fim de assegurarem a integração social e a estabilidade. Sabemos que não teríamos a paz e a prosperidade de que beneficiamos se não houvesse instituições europeias. A democracia supranacional europeia tem de ser um ponto de encontro de todos – e tem de envolver a participação efetiva dos cidadãos. Esse é um ponto crítico. Não podemos continuar a pensar numa União Europeia sem uma legitimação clara de Estados e cidadãos. O tema dos refugiados obriga a soluções justas e duradouras. O crescimento e o desenvolvimento humano têm de ser objetivos comuns. O potencial económico e a capacidade para fazer frente a choques assimétricos tem de corresponder à ideia de convergência económica e social. A mobilidade dos estudantes e a prioridade da educação e da formação, da ciência e da cultura são fundamentais. Dir-se-ia que estamos apenas a reviver problemas passados e conhecidos. Todavia, hoje a sua persistência e a emergência dos egoísmos nacionais poderá ter efeitos mais dramáticos que nunca. Se o desespero destruir a frágil democracia europeia não haverá uma segunda oportunidade para salvaguardar a paz e a dignidade… A frente atlântica europeia não pode ser enfraquecida. Se Londres tem tido um papel crucial no mercado financeiro europeu e numa política europeia de segurança comum, a verdade é que tal apenas pode ser preservado se prevalecer um reformismo interno solidário, em lugar de se optar por atirar ao chão o tabuleiro de xadrez. Setenta anos de paz na Europa só foram possíveis mercê da prevalência da coesão sobre a fragmentação, e da razão sobre o medo. A estagnação económica europeia e o fechamento alemão fomentaram a fragmentação. O surgimento de tensões ditadas pela crise dos refugiados e pela difusão de um medo persistente do desemprego favoreceu as forças nacionalistas e incentivou o populismo – pano de fundo que abriu uma lógica antieuropeia e fragmentária. Nestes termos, a crise do Euro não tem a ver com a falta de credibilidade da moeda europeia, mas com a ausência de perspetivas imediatas de crescimento económico na Europa, por ausência de uma política ativa de investimento. Trata-se de uma moeda forte, que limita o espaço de manobra das economias com maior grau de dependência externa.
TIRAR LIÇÕES PARA O FUTURO
Eduardo Lourenço tem repetido, com a lucidez que lhe conhecemos, que «a Europa define-se na sua relação com o que não é Europa. Só sabemos o que é Europa quando estamos fora da Europa. Na Europa (nós, portugueses) temos uma experiência normal. É como a experiência de quem está em casa. Há até uma pluralidade de casas que, mais ou menos, têm afinidades entre elas. Isso é a Europa». Mas há ameaças e perigos, e até a indiferença e a acomodação. Perante tantos sinais de incerteza persiste uma miragem europeia. Contudo, a Europa fechada definha. Importa tirar lições, procurando caminhos que permitam encontrar a defesa de um pequeno e eficaz núcleo de interesses e valores comuns. O perigo da não-Europa espreita como o risco da não-democracia. A crise europeia deve-se à ausência de um ideal mobilizador e à falta e de uma coordenação política capaz de romper com a estagnação e de assegurar uma convergência social que permita aos cidadãos europeus sentirem-se não só participantes mas também incluídos, num desenvolvimento humano justo, baseado na qualidade de vida e no bem-estar – mas essencialmente no respeito da dignidade humana. E quem acredita na importância do projeto europeu, menos como utopia, e mais como um meio de garantir a paz e a cooperação, tem de fazer do compromisso político, cívico, social, cultural e económico, algo de concreto, com resultados.
Guilherme d’Oliveira Martins
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