A Vida dos Livros

De 4 a 10 de julho de 2016.

«O Império Marítimo Português – 1415-1825» de C. R. Boxer (Edições 70, 1992) é uma obra tornada clássica, publicada pelo célebre estudioso britânico em 1969 e que nos fornece uma indispensável síntese panorâmica da expansão portuguesa no mundo através da consideração das suas origens, vicissitudes, limitações e desenvolvimentos.

ESTUDIOSO APAIXONADO

Charles R. Boxer (1904-2000) tornou-se, após uma vida militar atribulada no Oriente, em 1947, titular da cátedra Camões no King’s College em Londres, onde exerceu funções até 1967. Profundo conhecedor das línguas e culturas asiáticas e sendo estudioso apaixonado do contacto destas com as culturas europeias, designadamente a portuguesa e a holandesa, Boxer tornou-se uma autoridade respeitadíssima relativamente ao conhecimento da primeira globalização, tendo ainda sido Professor da História do Extremo Oriente na Universidade de Londres no início dos anos cinquenta. A obra a que hoje nos referimos culmina a ação na capital britânica – tendo-se tornado um manual indispensável para o conhecimento sério das viagens dos portugueses pelo mundo e das suas consequências para a génese da economia e da sociedade modernas. Depois de 1967, aceitou ainda a cátedra de História da Expansão Europeia na Universidade de Indiana, a que se seguiu semelhante função na Universidade de Yale – tendo tido até à sua morte uma relevante influência no estudo complexo dos acontecimentos que determinaram a criação do Império Marítimo Português, desde a conquista Ceuta até ao ocaso da presença asiática. O tema da expansão marítima europeia, que teve como precursores os portugueses, é de significativa complexidade, não sendo compatível com simplificações unívocas. A costa marítima atlântica de Portugal, o conhecimento antigo de África e do Mediterrâneo ocidental, as necessidades económicas determinadas pela carência de meios – tudo isso determinou a conquista de Ceuta e as viagens para sul na costa africana. A obtenção de ouro, mercê de trocas com os tuaregues, e depois pelo conhecimento de jazidas das tribos do deserto, permitiu a cunhagem de Cruzados, de uma grande pureza, geral aceitação e estabilidade no respetivo valor. Depois de 1442, temos o desenvolvimento do comércio de escravos, no início com capturas diretas e depois com a intermediação dos povos africanos. Nascem, entretanto, as feitorias, de que um primeiro exemplo é Arguim, onde os portugueses trocavam cavalos, tecidos, objetos de cobre e trigo por pó de ouro, escravos e marfim. E com a chegada destes bens a Portugal as expedições da África ocidental tornam-se lucrativas, Nunca os portugueses descobriram, porém, a fonte direta de onde vinha o ouro nem conseguiram estabelecer feitorias no interior. «Mas (segundo Boxer) a luta das caravelas portuguesas contra as caravanas mouras de camelos do Sara teve como resultado a predominância das primeiras no comércio do ouro, por um período de 100 anos, de 1450 a 1550». Só em S. Jorge da Mina registaram-se importações anuais de 170 mil dobras e às vezes mais. «Se bem que os principais produtos que os portugueses procuram na Senegâmbia e na Guiné continuassem a ser os escravos e o ouro, outros produtos oeste-africanos, como a malagueta ou grão-do-paraíso, uma especiaria parecida com a pimenta, macacos e papagaios encontravam, também, um mercado lucrativo em Portugal». As mercadorias que permitiam a compra de escravos e ouro vinham do estrangeiro. A malagueta ia para a Flandres e os escravos para Espanha e Itália, antes da descoberta das Américas.

A CASA DA MINA

O comércio africano era partilhado entre o Estado e os mercadores, com o controlo apertado da Casa da Mina, situada no edifício do Paço da Ribeira – cabendo à Coroa o monopólio do ouro. As receitas do comércio do ouro e dos escravos permitiram, todavia, a D. João II avançar para o Golfo Arábico e Índia – em direção às especiarias asiáticas. Entretanto, Bartolomeu Dias dobra o Cabo da Boa Esperança e Pero da Covilhã e Afonso de Paiva são enviados por terra em busca do Reino do Preste João e para conhecerem a Índia. Pero da Covilhã sobrevive e depois, ao regressar ao reino, é solicitado por um mensageiro do rei, na cidade do Cairo, para «continuar até ao reino do Preste João, que tinha sido então localizado nas montanhas da Abissínia». O relatório que teria enviado para Lisboa não se sabe se chegou ao destino. Vasco da Gama saberia, porém, que tinha de aportar no sudoeste da Índia, mas foi incapaz de distinguir os templos hindus das igrejas cristãs… O certo é que a política de D. João II levaria ao fim do monopólio veneziano-mameluco das especiarias no Levante, o oriente do Mediterrâneo. Em 1485, o discurso de obediência proferido por Vasco Fernandes de Lucena perante o Papa aponta claramente para a concretização da chegada dos portugueses ao Oceano Índico. Contudo, quando D. Manuel herdou a coroa de seu cunhado, seguiu claramente a estratégia do Príncipe Perfeito. E Vasco da Gama «levava credenciais dirigidas ao Preste João e ao rajá de Calecute, juntamente com amostras de especiarias, ouro e aljôfar»… A partida para a Índia ocorreu nove anos depois de Bartolomeu Dias ter regressado do Cabo. Entretanto, porém, Colombo tinha regressado da sua «histórica viagem», pensando ter chegado à Ásia Oriental. Por que razão mediou tanto tempo até recomeçar a empresa das descobertas? As explicações são contraditórias – os novos acontecimentos em Marrocos, a morte de D. Afonso, as dúvidas sobre o herdeiro de D. João II ou a doença do Rei. Mas não devemos esquecer, entretanto, as viagens no Atlântico Sul para encontrar a melhor rota para o Índico e que teriam permitido não só favorecer as navegações com segurança, mas também encontrar o importante território brasileiro.

CRISTÃOS E ESPECIARIAS

Sobre Vasco da Gama, importa lembrar que depois da morte do Infante D. Henrique as navegações «eram sobretudo impulsionadas pela procura do Preste João e do ouro da Guiné, e que, durante o reinado de D. João II, estes motivos foram reforçados pela procura de especiarias asiáticas – compreendendo-se a resposta do enviado de Gama sobre o que fariam ali aqueles navegadores. «Viemos procurar cristãos e especiarias». O certo, porém, é que os conselheiros de D. Manuel, ouvidos em Montemor-o-Novo, mais se inclinaram para que a Índia não se deveria descobrir – como no-lo diz João de Barros. Quando regressou ao reino, em Agosto de 1499, Vasco da Gama perdera dois navios e cerca de metade da tripulação, no entanto a abertura de novos contactos permitiria novos horizontes, que a embaixada de Pedro Álvares Cabral viria a consolidar – com a concretização do Achamento do Brasil, documentado na carta de Pero Vaz de Caminha, bem como com o delineamento de uma nova estratégia de acordos locais, designadamente em Cochim e Cananor. Segundo Boxer: «a mira dos lucros a ganhar com o projetado monopólio português das especiarias e a confiança na possibilidade de encontrar aliados cristãos nas terras que confinavam com o Índico permitiram a D. Manuel vencer hesitações de alguns dos seus conselheiros e lançar este pequeno reino na espetacular carreira de empreendimentos militantes na Ásia das Monções».        

 

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

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