REFLEXÃO DA SEMANA
De 4 a 10 de Abril de 2005
Excepcionalmente, recordamos hoje a figura extraordinária de João Paulo II, que agora nos deixa e a personalidade de Emmanuel Mounier, cujo centenário do nascimento assinalamos.
I. João Paulo II foi uma personalidade marcante, uma inteligência arguta e uma força da natureza. Participou activamente no Concílio Vaticano II e está ligado à Constituição Gaudium et Spes, documento fundamental centrado nos valores universais da liberdade, da justiça e da paz. Eleito Papa em 1978, tornou-se um peregrino incansável e um factor muito activo da unidade da Igreja e do diálogo entre as diferentes confissões religiosas. Vindo da Igreja do Silêncio contribuiu decisivamente para o fim da guerra-fria. Com ele houve uma aceleração dos acontecimentos mundiais. E em 1989 foi sua a primeira voz contra o fundamentalismo do mercado e o desrespeito do trabalho, do emprego e da consciência social. São emocionantes os testemunhos dos dirigentes religiosos de todo o mundo que recordam os gestos de abertura e de encontro. O Papa visitou Sinagogas e Mesquitas, reuniu-se em Assis, com chefes religiosos vindos dos mais diferentes horizontes. Levantou a sua voz e a sua autoridade moral contra a guerra e contra a cegueira do “choque das civilizações”. Foi um dom de Deus, um peregrino da Paz. Todos esperamos que a sua herança não seja esquecida.
II. Emmanuel Mounier nasceu há cem anos em Grenoble a 1 de Abril de 1905. Filósofo cristão, fundador da revista “Esprit”, em 1932, fez parte de uma geração de excepção. Foi colega na École Normale Supérieure, de R. Aron e de J.-P.Sartre. A sua vida foi marcada pela ideia de “compromisso”, especialmente depois da guerra de Espanha, momento dilacerante, em que tomou partido da causa republicana. Quando dos acordos de Munique (1938) demarcou-se deles. Durante o regime de Vichy ainda fez reaparecer a revista fugazmente, denunciando a “desordem estabelecida”, e depressa se tornaria uma referência moral da “resistência”. No pós-guerra, procurou lançar pontes à esquerda, mas sem sucesso. Morreu prematuramente em 22 de Março de 1950. Deixou uma escola de cristãos livres, militantes sociais, operários e intelectuais (como Domenach e Delors), que viria a ter um papel decisivo na renovação da esquerda democrática nos anos cinquenta e sessenta (ao lado de Pierre Mendès-France), designadamente no grande debate sobre a Argélia. Mounier teve em Portugal uma influência decisiva. A denúncia da “desordem estabelecida” e a ideia de compromisso das pessoas relativamente à procura da justiça e da liberdade tiveram uma importância significativa, quando muitos cristãos seguiram um caminho de inconformismo e de ruptura com o regime político que recusava a democracia. Foi, por exemplo, fundamental para os animadores de “O Tempo e o Modo” a experiência da revista “Esprit”. “A Revista de Mounier fora a primeira, na Europa, a unir cristãos e não-cristãos, a ser uma revista de unidade, de confronto entre crentes e não-crentes” (TM, nº 23). Jorge de Sena viria a dizer, aliás, que ninguém poderia pretender «a exclusividade da verdade ou da salvação, embora tenham o direito de querer persuadir os outros e de ‘salvá-los’». (TM, nº 27). Tratava-se de fazer uma revista não confessional – em nome da liberdade de espírito. E o “personalismo” não era uma nova ideologia nem um cabaz de receitas para aliviar consciências. Por outro lado, a influência de Mounier era assumida no uso constante de expressões como “primado da Pessoa e da História humana” ou “desordem estabelecida”. Havia uma luta comum contra o espírito burguês, contra a injustiça, em nome da possibilidade de salvar os valores humanos. “Esprit” como “O Tempo e o Modo” eram os pianos que faltavam a duas gerações inconformistas. O diálogo foi uma marca. Afinal, o que devemos a Emmanuel Mounier? O ter sido a referência que permitiu a muitos assumir um caminho do inconformismo. «O amor é luta ; a vida é luta, contra a morte ; a vida espiritual é luta, contra a inércia material e o sono vital. A pessoa toma consciência dela mesma não no êxtase, mas na luta da força». O combate da desordem estabelecida precisaria e precisa de uma semente de inconformismo e de esperança, que Mounier pôde ser.