QUE PERFIL DOS ALUNOS?
Na sequência do documento sobre o Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória muitos têm sido os que, em mensagens pessoais, me têm feito chegar opiniões encorajadoras. Mais do que preocupações diretamente ligadas às questões curriculares, que não devem confundir-se com as opções ligadas ao trabalho que tive a honra de coordenar, o que encontro nas preocupações manifestadas tem a ver com o seguinte: (a) uma sociedade como a portuguesa precisa de colocar a educação e a formação como primeiríssima prioridade; (b) é a aprendizagem e a sua qualidade que têm de ser postas na ordem do dia, como fatores essenciais de desenvolvimento humano; (c) não se trata de ver o aluno como um futuro profissional ou técnico, mas de o considerar como pessoa e cidadão, aptos a corresponder aos desafios da incerteza e da complexidade; (d) a definição de um perfil não pode confundir-se com um molde, devendo ser encarada como um quadro essencial capaz de se constituir uma referência permanente para o aperfeiçoamento da educação e da escola; (e) nos diversos domínios da educação e da formação não deve haver incerteza e instabilidade ditadas pelos ciclos políticos e eleitorais; (f) os progressos alcançados no médio e longo prazos entre nós corresponderam à convergência de diversos elementos – alargamento da escolaridade obrigatória, educação pré-escolar, aperfeiçoamento da avaliação nos diversos domínios relevantes, melhoria da rede escolar, reconhecimento de competências adquiridas, ensino profissional e artístico, formação de professores, progressos no ensino superior etc.; (g) não pode haver, assim, a tentação de considerar a uniformização como método adequado de criação de uma rede pública de educação eficiente, justa, de qualidade para todos. Eis por que razão uma perspetiva humanista procura centrar-se na dignidade humana, na cidadania ativa e responsável, na capacidade de ler e compreender o mundo contemporâneo e na resposta adequada aos desafios do desenvolvimento humano.
OS DESAFIOS PARA OS PORTUGUESES
Os avanços alcançados em Portugal em virtude da democracia merecem ser realçados, mas exigem um esforço permanente no sentido da continuidade e do aperfeiçoamento no sentido da qualidade. Não podemos esquecer que as comparações internacionais revelam que os melhores sistemas educativos evoluem no sentido de novos progressos. Os nossos estudantes estão, assim, confrontados a cada passo com os avanços conseguidos no que de melhor ocorre em outros países. Daí que tenha de haver um equilíbrio que considere o acesso de todos à educação, a existência de medidas que contrariem o insucesso e o abandono escolar e a promoção da qualidade. É verdade que a educação não pode ser confundida com uma corrida de obstáculos, no entanto impõe-se que haja a consideração de diversos fatores, de modo que as desigualdades sejam contrariadas e não se tornem elementos indutores de injustiça e de discriminação. Mas sejamos claros: a escola deve formar pessoas e cidadãos aptos a pôr em prática e a dar sentido aos valores da responsabilidade e integridade; da excelência e exigência; da curiosidade, reflexão e inovação; da cidadania e participação; e da liberdade. A escola visa alcançar educação de qualidade para todos – cabendo as políticas sociais garantir a igualdade de oportunidades e a correção das desigualdades. Não pode haver confusão de funções ou inversão de prioridades. Os conhecimentos e a preparação de cidadãos cultos, livres, responsáveis e informados não podem ser subalternizados em relação a supostas medidas de índole social. A diferenciação positiva obriga a considerar cada aluno com as suas especificidades próprias, segundo uma pedagogia correta e adequada. A qualidade nas diferentes áreas de competências tem, por isso de ser especialmente considerada: linguagem e textos; informação e comunicação; pensamento crítico e criativo; raciocínio e resolução de problemas; saber científico, técnico e tecnológico; relacionamento interpessoal; desenvolvimento pessoal e autonomia; bem-estar, saúde e ambiente; sensibilidade estética e artística; consciência e domínio do corpo.
RECONHECIMENTO DAS DIFERENÇAS
O reconhecimento das diferenças pessoais obriga à necessidade de considerar a motivação, o reconhecimento das capacidades, o acompanhamento das aprendizagens, as correções necessárias – de modo que a educação para todos seja uma realidade, ninguém devendo ficar para trás ou ser preterido por razões sociais ou económicas. É este, aliás, o sentido da ponderação de um núcleo fundamental de aprendizagens e de uma margem de flexibilidade que permita ir ao encontro das diferenças, sem pôr em causa um denominador comum que considere a coesão social e cultural e evite a fragmentação e a exclusão. Neste ponto, importa voltar a distinguir a função reservada à definição de um «Perfil» da consideração do desenvolvimento curricular. Não são confundíveis. Enquanto o «Perfil» pretende ser mais estável e duradouro, não dependente dos ciclos eleitorais, a organização curricular, devendo respeitar as preocupações fundamentais, pode e deve ser ajustada – segundo um desígnio de permanência e de estabilidade. O mesmo se diga em relação à margem de flexibilidade – que deve ir ao encontro da exigência de motivação dos estudantes e de contribuição para que haja melhores aproveitamentos, melhor qualidade, menos abandono e maior ligação entre a escola e a comunidade. Assim, sem querer pôr em causa a salvaguarda da função integradora do «Perfil», torna-se fundamental referir que muitas das preocupações suscitadas por críticos do processo deverão ter resposta positiva, no sentido da exigência, da qualidade e da avaliação. É essa a orientação definida no “Perfil” – de modo que para todos seja salvaguardada a capacidade de transformar informação em conhecimento, bem como de responder aos fundamentais desafios do progresso. Se falamos de avaliação, importa deixar claro que estamos perante um desafio complexo e necessário que não pode limitar-se à avaliação dos estudantes, devendo abranger as instituições e os professores – como, aliás, é consagrado nos sistemas que apresentam melhores resultados globais e níveis comparados de qualidade.
A CHAVE DA APRENDIZAGEM
O aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e a viver com os outros e o aprender a ser, referidos no relatório da UNESCO, coordenado por Jacques Delors, constituem elementos que devem ser vistos nas suas diversas relações e implicações. Isto mesmo obriga a colocar a educação durante toda a vida no coração da sociedade – pela compreensão das múltiplas tensões que condicionam a evolução humana. Não há melhor investimento do que na valorização das pessoas. Devemos, pois, compreender os sete pilares que Edgar Morin considera essenciais para a Educação, numa cultura de autonomia e responsabilidade: (a) prevenção do conhecimento contra o erro e a ilusão; (b) ensino de métodos que permitam ver o contexto e o conjunto, em lugar do conhecimento fragmentado; (c) o reconhecimento do elo indissolúvel entre unidade e diversidade da condição humana; (d) aprendizagem duma identidade planetária considerando a humanidade como comunidade de destino; (e) exigência de apontar o inesperado e o incerto como marcas do nosso tempo; (f) educação para a compreensão mútua entre as pessoas, de pertenças e culturas diferentes; e (g) desenvolvimento de uma ética do género humano, de acordo com uma cidadania inclusiva. Torna-se, pois, fundamental encontrar um ponto de convergência que permita assegurar que a educação e a formação das pessoas seja assumida como prioridade nacional. Cuidando dos princípios, da visão, dos valores e das áreas de competências estamos a tratar do assumir pleno de responsabilidades num mundo em acelerada mudança… Temos condições únicas para o conseguir, aproveitando as potencialidades da geração mais qualificada que alguma vez existiu em Portugal.