Por entre os ventos de guerra, a Convenção Europeia começou a discutir o texto da proposta de Constituição Europeia. Acontece, porém, que este exercício é feito pela primeira vez e a verdade é que se torna indispensável deixar claro para os cidadãos europeus o que está em causa e que o resultado deverá sempre tê-los em consideração.No fundo, a nova Constituição Europeia não
poderá deixar de se centrar na resposta aos anseios dos europeus e na
exigência de lhes dar uma União que sintam como sua, de que se
sintam próximos e que seja descentralizada e baseada numa cultura de
responsabilidade. A Convenção distingue-se claramente da Convenção
de Filadélfia (1787). Agora não está em causa o nascimento
de uma nação, mas sim a consolidação da União
Europeia, enquanto união de Estados livres e soberanos. A União
deve reforçar-se e ser dotada de órgãos legítimos
e eficazes, que garantam a defesa dos valores e interesses comuns europeus.
O trabalho da Convenção não poderá ser neutral.
Daí que os ecos do pensamento de James Madison devam ser recordados –
em nome da separação de poderes de Montesquieu e das duas legitimidades
em causa, a dos Estados e a dos cidadãos. Estados, que devem ser vistos
em pé de igualdade, por exemplo num futuro Senado onde os membros tenham
representação paritária ou no exercício igualitário
de poderes legislativos no Conselho. Há, cada vez mais, a necessidade
de deixar clara para o cidadão anónimo a ideia de que a construção
europeia não deve deixar sentimentos de perda ou de frustação.
No primeiro debate na especialidade ressaltou a questão da natureza da
União e dos ?moldes federais? da sua organização. Não
se trata de qualificar a União como Federação, mas de apelar
ao método comunitário. A Constituição Europeia deve
referir-se à União ?tout court?, recusando a centralização
e a lógica de um Super Estado. Fale-se, pois, de União de Estados
livres e soberanos e de Povos e cidadãos empenhada na construção
de uma ?democracia supranacional?. A democracia tem de ser a pedra angular.
Por isso, a Carta Europeia dos Direitos Humanos terá de possuir um lugar
inequivocamente central na nova Constituição ? para que não
haja qualquer dúvida para o cidadão comum sobre as garantias democráticas,
sobre o primado da lei e do direito e sobre a limitação dos poderes.
Tudo isto tem de ficar claro. Teremos de avançar com audácia,
no sentido de tornar a União Europeia um lugar onde todos tenham lugar.
Temos de evitar uma posição conservadora, que só legitimará
o centralismo, os interesses instalados e poderá abrir a porta ao directório,
de mansinho. Cuidemos, por isso, da democracia europeia. Eis o principal!
Guilherme d` Oliveira Martins