A recente revisão constitucional preparou a ordem jurídica portuguesa para uma nova fase da vida europeia. Trata-se de lidar com uma Constituição europeia de tipo novo, não confundível com as Constituições nacionais, que prevalece sobre estas apenas no tocante às competências da União Europeia. As instituições comunitárias exercem, assim, as suas atribuições e competências a partir da definição constitucional de poderes próprios e de poderes partilhados com os Estados-membros – e de uma autorização constitucional, baseada na soberania originária dos Estados, do exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia. Numa União de Estados livres e soberanos as normas constitucionais de cada Estado são decisivas como instrumentos fundamentais de controlo do exercício em comum de poderes. A nova Constituição Europeia baseia-se nas seguintes características: (a) Não se trata do resultado de um poder constituinte correspondente a uma ideia de nação europeia; (b) Trata-se de um tratado constitucional que consagra a complementaridade entre uma soberania europeia, livremente compartilhada pelos Estados e pelos cidadãos, e as soberanias nacionais; (c) Adopta a limitação dos poderes comunitários, segundo os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade; (d) Concretiza um quadro jurídico fundamental, centrado na Carta Europeia de Direitos Fundamentais, na definição das competências da União e partilhadas entre esta e os Estados e na definição do perfil das instituições comunitárias e dos respectivos poderes. Neste sentido, inicia-se agora uma nova fase na vida do acompanhamento das questões comunitárias pela Assembleia da República. As responsabilidades acrescidas, que se prevêem no futuro próximo para os Parlamentos nacionais em matéria europeia, obrigarão a redobradas cautelas, em especial no tocante à passagem de competências tradicionalmente parlamentares para as esfera dos governos. A componente parlamentar nacional (em ligação com o Parlamento Europeu) tem de ser reforçada. Por um lado, pela consagração do alerta dos parlamentos nacionais perante as iniciativas legislativas da Comissão, por outro, pela exigência de haver um mais rigoroso acompanhamento técnico-legislativo. Chegamos a uma encruzilhada decisiva: o Tratado constitucional europeu abre os horizontes relativamente à soberania compartilhada entre Estados e Povos europeus; essa soberania comum exige o cumprimento do “método comunitário” e a adopção da regra segundo a qual os interesses e os valores comuns devem ser prosseguidos através de decisões de maioria qualificada, contra a lógica dos egoísmos nacionais. É chegado o momento de corrigir os erros de Nice, equilibrando as soluções no Parlamento Europeu e no voto do Conselho. A Europa política é mais necessária que nunca. Os impasses só servem os que desejam uma Europa frágil e subalterna.
Guilherme d`Oliveira Martins