Edward W. Said (1935-2003), nasceu em Jerusalém. Palestiniano de origem e professor da Universidade de Columbia (E.U.A.), aluno de Princeton, celebrizou-se pela sua atitude cívica e por ter escrito uma das obras-primas do século XX sobre as relações internacionais – “Orientalism”. O livro foi publicado em 1978, há já vinte e cinco anos, e foi traduzido em vinte seis línguas. Aí o autor põe o dedo na ferida a propósito da questão do Médio Oriente. Não poderemos continuar a estudar e a tentar conhecer as culturas políticas orientais com base na diferença, na inferioridade, na submissão e na alienação do outro. Num tempo de mil incertezas, em que o diálogo israelo-palestiniano continua sem funcionar, perante uma terrível escalada de violência e de vingança, a obra vai à raiz das incompreensões. E.W. Said defende, por contraponto à violência e ao radicalismo, de parte a parte, ou ao paternalismo “orientalista”, cultivado por uma cultura eurocêntrica, herdada do último século e meio, e contra a lógica do confronto cego entre culturas, o uso de uma crítica “humanista” para “abrir campos de batalha, para introduzir uma sequência mais longa de pensamento e análise que substituam as pequenas explosões de polémica e de fúria que nos impedem de pensar”. Não disse Edward W. Said que a Palestina é um lugar de exílio por excelência – que os palestinianos abandonam mais do que encontram? Ele próprio é a ilustração viva da rica encruzilhada de culturas e de convicções – nasceu árabe, filho de uma palestiniana protestante, que foi ajudada a dar à luz por uma judia, e de um rico comerciante palestiniano cristão com passaporte americano, foi ensinado segundo os cânones britânicos e no seio dos princípios religiosos anglicanos… Entende-se porque Said quis defender com afinco uma perspectiva humanista, aberta e tolerante. É preciso falar das questões da injustiça e do sofrimento e das diferenças culturais num contexto da História. A luta actual pela igualdade entre os povos – e, naturalmente, entre a Palestina e Israel – deve ser orientada em função de um objectivo humano de respeito e de coexistência e não em função da repressão e da rejeição. Pouco antes da assinatura doa acordos de Oslo (1992), abandonou o Conselho Nacional Palestiniano com uma declaração surpreendente e premonitória – “Compreendi que um Estado palestiniano não era viável. Um Estado binacional é a única solução para os dois povos que são ligados pela história, a proximidade e os interesses”. Edward Said procurou soluções de bom senso e de compreensão mútua – ou não fosse ele um artista, um músico, um incansável militante da cultura como factor de paz. Há dias, a doença venceu-o e deixou-nos um enorme vazio de loucura e de guerra cega e inútil. Mas ficou-nos a sua lição firme e inabalável – a paz não se alcançará enquanto não houver instrumentos e actuações eficazes.
Guilherme d`Oliveira Martins