É fantástico como o entusiasmo e a força do Maestro Yehudi Menuhin continuam a animar uma rede de iniciativas em toda a Europa e no mundo, centradas no diálogo entre as culturas e no ensino artístico. E devemos lembrar que foi Helena Vaz da Silva uma das pessoas decisivas, ao lado de Menuhin, a pôr de pé a Fundação Internacional. Daí termos em Portugal a nossa Associação, com uma história muito interessante e com muita gente envolvida e entusiasta. Ninguém esquece o dia em que o Maestro visitou a Escola nº 1 de Algés, onde nasceu o projecto MUS-E português. Comoveu-se e entusiasmou-se por ver como era ali respeitado o seu programa – fazer do ensino artístico um factor de combate à exclusão e ao insucesso em comunidades educativas inseridas em meios difíceis. Mas o projecto só pode funcionar se for profissional – como no-lo têm ensinado em Portugal Cristina Brito da Cruz, Margarida Moura e Pedro Saragoça Martins. O Maestro foi um espírito livre, como costuma dizer Enrique Barón, criativo e alegre, uma pessoa dotada desse carisma da graça, tão difícil de encontrar, que o levava a formular com o seu eterno sorriso as propostas mais extraordinárias, sempre obedecendo à mesma lógica implacável, a da dignidade da pessoa humana. Quem não lembra, em 1945, o seu gesto exemplar de tocar para os aliados, em mais de trezentas ocasiões, nos campos de concentração, onde tinham morrido muitos dos seus amigos? Enfrentou os poderes da União Soviética em defesa dos seus amigos Oistrakh e Rostropovich. E foi quem, ao receber o prémio Wolf no Knesset, no Estado de Israel, defendeu a necessidade da criação de uma confederação israelo-palestina. Foi um artista dotadíssimo, um menino-prodígio, que se tornou uma das referências da cultura musical do século XX. Além de violinista genial e de maestro de excepção, foi um visionário. Por isso, depois de um século de barbárie e de tragédias, entendeu dever lançar as bases da acção, através da Assembleia das Culturas da Europa, na qual os cidadãos de diferentes horizontes e culturas pudessem ter voz e pôr em comum projectos de justiça e de paz. Como disse Helena Vaz da Silva, num texto belíssimo: “a penetração e a visão dos seus escritos revelam um profeta do século XX; a força anímica e a humildade da atitude, um santo laico; a obstinação e a generosidade na acção, um guerrilheiro ou um cruzado”. E Lorde Menuhin, ciente, da importância do seu exemplo cívico, afirmou na sua “Autobiografia”: “Sei que não sou eterno. Mas no momento em que escrevo, os compromissos em volta dos quais organizei alegremente a minha vida têm muito caminho diante deles. Espero que os trilhos que abri possam ser continuados por muitas gerações no futuro”. Um dos melhores trilhos que o Maestro nos deixou foi, sem dúvida, o projecto MUS-E. O que está em causa é o respeito do outro e a prevenção da violência pelo canto, pela música e pela dança.
Guilherme d`Oliveira Martins