QUE REFORMAS PARA PORTUGAL?
O autor começa por afirmar que Portugal não deverá ser um protetorado germânico nem uma feitoria chinesa, e parte da necessidade de olhar criticamente a União Europeia, compreendendo que importa entender o salvamento do mais importante projeto empreendido por ela, a moeda única, que foi concebido com fragilidades evidentes. O próprio Jacques Delors, desde as origens, chamou a atenção para que o Euro assentava em pressupostos incompletos, porque os critérios estritamente monetários esqueciam a «convergência social». José Manuel Félix Ribeiro (JMFR) afirma, por isso, não ter Portugal «nenhum interesse em integrar projetos de unificação continental, nos quais será sempre uma periferia tolerada». Deste modo, considera que Portugal e o espaço lusófono apenas sobreviverão «com relevância mundial num quadro da globalização, naturalmente organizado em torno dos oceanos»; daí devermos encontrar «como aliados naturais o espaço anglo-saxónico (e os Estados que com eles se articulam)». Uma parceria transatlântica é, assim, advogada – em paralelo com as relações históricas múltiplas com Estados da Ásia («que constituem elemento diferenciador de Portugal no contexto europeu» – Índia, Japão, China e Malásia)… De facto, está em causa a consideração, tão realista quanto possível, da defesa dos interesses próprios e das nossas vantagens competitivas. As reformas de estrutura têm de visar objetivos que pressuponham diversidade de alianças, que reforcem a nossa inserção europeia (recusando sermos uma periferia irrelevante e medíocre): maior crescimento na globalização, mais sólida consolidação orçamental, maiores oportunidades de progressão social e garantias de proteção e incentivo para os que tiverem maiores dificuldades em assegurar uma existência digna… Seria um erro incidir soluções sobre o custo do trabalho e sobre mão-de-obra mais barata, uma vez que a valorização das qualificações é incompatível com salários baixos e insegurança no emprego… Só será possível retomarmos o crescimento com mudanças em três domínios: sistema financeiro, sistema de proteção social, gestão do território e formação das pessoas.
O autor começa por afirmar que Portugal não deverá ser um protetorado germânico nem uma feitoria chinesa, e parte da necessidade de olhar criticamente a União Europeia, compreendendo que importa entender o salvamento do mais importante projeto empreendido por ela, a moeda única, que foi concebido com fragilidades evidentes. O próprio Jacques Delors, desde as origens, chamou a atenção para que o Euro assentava em pressupostos incompletos, porque os critérios estritamente monetários esqueciam a «convergência social». José Manuel Félix Ribeiro (JMFR) afirma, por isso, não ter Portugal «nenhum interesse em integrar projetos de unificação continental, nos quais será sempre uma periferia tolerada». Deste modo, considera que Portugal e o espaço lusófono apenas sobreviverão «com relevância mundial num quadro da globalização, naturalmente organizado em torno dos oceanos»; daí devermos encontrar «como aliados naturais o espaço anglo-saxónico (e os Estados que com eles se articulam)». Uma parceria transatlântica é, assim, advogada – em paralelo com as relações históricas múltiplas com Estados da Ásia («que constituem elemento diferenciador de Portugal no contexto europeu» – Índia, Japão, China e Malásia)… De facto, está em causa a consideração, tão realista quanto possível, da defesa dos interesses próprios e das nossas vantagens competitivas. As reformas de estrutura têm de visar objetivos que pressuponham diversidade de alianças, que reforcem a nossa inserção europeia (recusando sermos uma periferia irrelevante e medíocre): maior crescimento na globalização, mais sólida consolidação orçamental, maiores oportunidades de progressão social e garantias de proteção e incentivo para os que tiverem maiores dificuldades em assegurar uma existência digna… Seria um erro incidir soluções sobre o custo do trabalho e sobre mão-de-obra mais barata, uma vez que a valorização das qualificações é incompatível com salários baixos e insegurança no emprego… Só será possível retomarmos o crescimento com mudanças em três domínios: sistema financeiro, sistema de proteção social, gestão do território e formação das pessoas.
UM RIGOROSO RETRATO DA CRISE
Os textos que constituem esta obra têm uma história. Correspondem a reflexões feitas pelo autor ao longo de trinta anos, onde se nota um oportuno sentido crítico. O ensaio intitulado «Portugal em Defesa de uma Nação Rebelde» é de 1985 e foi publicado na revista «Nação e Defesa»; as análises prospetivas do início de 1990 foram inseridas numa obra coletiva sobre o ano 2010; a relação entre o euro e o dólar corresponde a um trabalho no âmbito do Departamento de Prospetiva e Planeamento (DPP) (2001); o tratamento das reformas estruturais foi elaborado no âmbito do documento «Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável – 2004»; para a globalização, os desequilíbrios e as crises foram utilizados um documento publicado na revista «Prospetiva e Planeamento» e a tese de doutoramento em Relações Internacionais na FCSH da Universidade Nova de Lisboa; a análise da crise da dívida soberana na UEM foi feita a partir de um documento elaborado pelo DPP e apresentado no 4º Congresso Nacional dos Economistas. Com clareza, o JMFR dá-nos um retrato da crise financeira e económica, desencadeada em 2008, onde interagiram quatro processos: (a) o choque energético (2006-7) da explosão dos preços do petróleo, mercê do crescimento do consumo da Ásia e do declínio da produção no tempo de baixos preços, que levou os investidores institucionais e os fundos especulativos a ampliar o movimento altista, ao fazer crer que se estava perante um sério risco inflacionista; (b) a crise imobiliária, que envolveu retração da compra de novas habitações e acumulação de «stocks» para vender; (c) a grave crise no coração do sistema financeiro nos EUA, que foi geradora de grandes prejuízos nos bancos e a uma fuga generalizada dos ativos considerados tóxicos pelos fundos que atuavam no mercado monetário; e (d) o primeiro grande teste a uma revolução institucional, que se traduziu na distribuição de riscos pelos «credit default swaps» (cds), com agravamento da incerteza na atividade produtiva. Nos EUA, porém, a crise e a recessão foram menos intensas do que se esperaria, pelas intervenções rápidas que evitaram colapsos financeiros – e, ao contrário de 1929, a queda do consumo pelas famílias americanas (e o aumento das poupanças) não se multiplicou em desemprego, uma vez que parte do cabaz de compras do cidadão americano já era fornecido pela Ásia e pelo Pacífico, onde mais se fez sentir a queda do consumo norte-americano. No entanto, não pode deixar de se referir a complementaridade de respostas dos EUA e da China, que criaram uma espécie de regulação macroeconómica à escala global – daí que enquanto houve investimento no mercado interno chinês, o consumo americano retraiu-se. Assim, o futuro da globalização passa por repensar a centralidade dos EUA na economia mundial pela criação de uma parceria transpacífica de comércio e investimento, de uma parceria transatlântica semelhante, a negociar com a União Europeia, e pela transformação estratégica dos EUA em garante do abastecimento estratégico de ambas as parcerias, mercê da revolução tecnológica. Este conjunto de movimentos poderá fornecer aos membros das duas parcerias um melhor quadro regulamentar do sistema financeiro e uma melhor coordenação de respostas a eventuais crises futuras.
Os textos que constituem esta obra têm uma história. Correspondem a reflexões feitas pelo autor ao longo de trinta anos, onde se nota um oportuno sentido crítico. O ensaio intitulado «Portugal em Defesa de uma Nação Rebelde» é de 1985 e foi publicado na revista «Nação e Defesa»; as análises prospetivas do início de 1990 foram inseridas numa obra coletiva sobre o ano 2010; a relação entre o euro e o dólar corresponde a um trabalho no âmbito do Departamento de Prospetiva e Planeamento (DPP) (2001); o tratamento das reformas estruturais foi elaborado no âmbito do documento «Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável – 2004»; para a globalização, os desequilíbrios e as crises foram utilizados um documento publicado na revista «Prospetiva e Planeamento» e a tese de doutoramento em Relações Internacionais na FCSH da Universidade Nova de Lisboa; a análise da crise da dívida soberana na UEM foi feita a partir de um documento elaborado pelo DPP e apresentado no 4º Congresso Nacional dos Economistas. Com clareza, o JMFR dá-nos um retrato da crise financeira e económica, desencadeada em 2008, onde interagiram quatro processos: (a) o choque energético (2006-7) da explosão dos preços do petróleo, mercê do crescimento do consumo da Ásia e do declínio da produção no tempo de baixos preços, que levou os investidores institucionais e os fundos especulativos a ampliar o movimento altista, ao fazer crer que se estava perante um sério risco inflacionista; (b) a crise imobiliária, que envolveu retração da compra de novas habitações e acumulação de «stocks» para vender; (c) a grave crise no coração do sistema financeiro nos EUA, que foi geradora de grandes prejuízos nos bancos e a uma fuga generalizada dos ativos considerados tóxicos pelos fundos que atuavam no mercado monetário; e (d) o primeiro grande teste a uma revolução institucional, que se traduziu na distribuição de riscos pelos «credit default swaps» (cds), com agravamento da incerteza na atividade produtiva. Nos EUA, porém, a crise e a recessão foram menos intensas do que se esperaria, pelas intervenções rápidas que evitaram colapsos financeiros – e, ao contrário de 1929, a queda do consumo pelas famílias americanas (e o aumento das poupanças) não se multiplicou em desemprego, uma vez que parte do cabaz de compras do cidadão americano já era fornecido pela Ásia e pelo Pacífico, onde mais se fez sentir a queda do consumo norte-americano. No entanto, não pode deixar de se referir a complementaridade de respostas dos EUA e da China, que criaram uma espécie de regulação macroeconómica à escala global – daí que enquanto houve investimento no mercado interno chinês, o consumo americano retraiu-se. Assim, o futuro da globalização passa por repensar a centralidade dos EUA na economia mundial pela criação de uma parceria transpacífica de comércio e investimento, de uma parceria transatlântica semelhante, a negociar com a União Europeia, e pela transformação estratégica dos EUA em garante do abastecimento estratégico de ambas as parcerias, mercê da revolução tecnológica. Este conjunto de movimentos poderá fornecer aos membros das duas parcerias um melhor quadro regulamentar do sistema financeiro e uma melhor coordenação de respostas a eventuais crises futuras.
QUE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL? – A zona euro sofre três crises distintas e simultâneas: perda de competitividade e fraco crescimento, acumulação de riscos nos setores bancários e dificuldades na dívida pública. JMFR analisa quatro cenários europeus: «a Europa em bloco» (com reforço dos fundos de resgate, emissão de euro-obrigações, supervisão bancária e reforço do orçamento comunitário); «Europa em Responsabilidade Limitada (com reforço dos fundos de resgate, incentivo aos Estados em maiores dificuldades para refinanciamento nos países emergentes, com renegociação de dívida para casos graves, euro-obrigações, supervisão bancária e reforço do orçamento comunitário, ainda que limitadamente); «Uma Europa com Dois Euros» (com avanço dos Estados do núcleo central para uma cooperação reforçada que unificasse as suas políticas orçamentais e a fiscalidade, com poder acrescido no BCE); e «Um Espaço Económico com Duas Âncoras Monetárias» (os Estados que incorressem em situações de insolvência seriam convidados a sair da zona euro, podendo manter-se na União e beneficiar de uma década de fundos estruturais ou optar pelo Espaço Económico Europeu, onde não beneficiariam dos fundos, mas também não teriam as obrigações das políticas comuns – podendo optar pela âncora da libra esterlina). No caso português, torna-se necessário pôr em prática reformas estruturais em quatro áreas-chave: sistema financeiro (aproximando-o do modelo anglo-saxónico e mobilizando a poupança das famílias e investidores institucionais), sistema de proteção social, de educação, saúde e segurança social (com mais poupança e capitalização e menos dependência do Estado) e reforma da administração do território e fiscalidade (com maior responsabilidade local e subsidiariedade, competitividade, estabilidade e simplificação tributária). Urge, pois, consolidar polos competitivos: atrair rendimento do exterior (turismo, saúde e reabilitação), exportar serviços, conteúdos e conceitos (investigação científica e tecnologias de informação), bem como recentrar a tradição industrial, para aumentar valor e incentivar a localização em Portugal de operadores globais (energia, logística, transportes). Deveremos, pois, levar mais longe a exploração da natureza arquipelágica do território e assumir um novo mapa para o crescimento no mundo global: dar maior prioridade à relação atlântica, diversificar as relações asiáticas (Japão, Índia e China), estabelecer parcerias com os países nórdicos (como a Noruega e a Suécia), intensificar relações com o Mediterrâneo Oriental e o Golfo Pérsico, e privilegiar os Estados alemães que possam ter maiores vantagens mútuas. Em suma, uma leitura atenta e crítica de «A Economia de Uma Nação Rebelde» permite irmos além do imediatismo que nos corrói e adormece…
Guilherme d’Oliveira Martins