REFLEXÃO DA SEMANA
De 26 de Setembro a 2 de Outubro de 2005
Estão ainda vivos os ecos da viagem brasileira. Em São Luís do Maranhão fomos à capela do Senhor dos Navegantes na Igreja de Santo António para colocar a lápide evocativa do lugar em o Padre António Vieira disse o Sermão de Santo António aos Peixes. “Já que não me querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças fora de água, António pregava e eles ouviam”. E todos percebemos ainda melhor, porventura do que na quietude de uma biblioteca, que “Santo António foi sal da terra e sal do mar” e que “poderia cuidar que os peixes irracionais se tinham convertido em homens, e os homens não em peixes mas em feras”. E disse Vieira: “Aos homens deu Deus o uso da razão, e não aos peixes; mas neste caso os homens tinham razão sem uso e os peixes o uso sem a razão…” E quando ouvimos estas palavras, todos pensámos que elas são intemporais e muito mais certeiras do que à primeira vista pode parecer… Em cada passo que demos na senda do Padre António Vieira, pudemos descobrir muito mais do que a memória de um homem extraordinário, encontrámos porventura a essência das raízes do Brasil e da identidade complexa e multifacetada da terra brasileira. E o barroco literário e artístico serve para demonstrar a força do diálogo e da mistura entre a Europa e os trópicos, entre a América e a África, no primeiro grande laboratório da globalização, em que a natureza se misturou e alterou, com o encontro de espécies vindas de toda a parte. E se seguimos os passos de Vieira, encontrámos, naturalmente, Agostinho da Silva, não a figura excêntrica, de que alguns se quiseram aproveitar abusivamente, mas o cultor do conhecimento e do diálogo de saberes. Por isso, quando descobrimos na Universidade Estadual da Bahia a memória do Centro de Estudos Afro-Orientais, que aí criou, compreendemos que o “Quinto Império” pode não ser uma ilusão vã, mas sim uma metáfora rica sobre uma globalização humana, que não esqueça as pessoas e a justiça, ou seja, a igualdade essencial por que pugnou, com tantas incompreensões, o Padre Vieira… Mas de S. Luís fica ainda a lembrança, dificilmente adjectivável, de Alcântara, aonde fomos e viemos na aventura de um catamarã, em águas revoltas que bem confirmam o célebre maranhão de que o lugar tem nome. E se partimos da cidade sob a invocação de “Os Tambores de São Luís”, de Josué Montello, chegámos a Alcântara, sob a recordação dos tempos heróicos do algodão e da prosperidade agrícola e comercial, que se desvaneceu e hoje povoa o lugar de fantasmas, como em “Noite sobre Alcântara”. Terra fantasma e de fantasmas, onde os barões de Mearim e de Pindaré se digladiaram em vão para receber o Imperador que, afinal, não viria…