Reflexões

De 25 a 31 de Agosto de 2003

O espectáculo de Bagdad não pode deixar-nos indiferentes. Depois de mil erros e de uma insensata tentação de julgar que bastaria ganhar a guerra para vencer a Paz, eis-nos ante a cruel revelação de tudo o que de pior se poderia esperar da aventura iraquiana está a acontecer. Como soam a ridículas as declarações de alguns após a invasão de Bagdad? Hoje, perante a expressão da tragédia, persiste a grande dúvida: como acabará tudo isto? …

O espectáculo de Bagdad não pode deixar-nos indiferentes. Depois de mil erros e de uma insensata tentação de julgar que bastaria ganhar a guerra para vencer a Paz, eis-nos ante a cruel revelação de tudo o que de pior se poderia esperar da aventura iraquiana está a acontecer. Como soam a ridículas as declarações de alguns após a invasão de Bagdad? Hoje, perante a expressão da tragédia, persiste a grande dúvida: como acabará tudo isto? Os grandes mestres da guerra, de Sun-Tzu a Clausewitz, sempre ensinaram que o mais importante é saber como se termina um conflito e quais as saídas possíveis para ele. Eis o que ninguém sabe, a começar pelos senhores da guerra! O início do século XXI continua marcado pela loucura. E o problema fundamental persiste no Médio Oriente e na incapacidade de encontrar soluções que respeitem as diferenças e as identidades. Sérgio Vieira de Mello tornou-se agora, tragicamente, um símbolo, talvez inútil. Diplomata experiente, homem afável e aberto, lutador incansável pelos direitos humanos e pela Paz foi morto em Bagdad, quando desejava intimamente que tudo pudesse regressar, o mais depressa possível, às mãos de instituições legítimas iraquianas, que pusessem termo à presença de um exército invasor. Conheci Sérgio Vieira de Mello em Timor e tenho dele a melhor recordação – a de um homem de causas e de acção, de presença inesquecível. Ele tornou-se agora o símbolo das Nações Unidas e do que devem significar – um factor activo de paz, de legitimidade, de tolerância, de direito e de justiça. Também foi vítima da impotência e das fragilidades de uma Organização que tem de ser reforçada e cada vez mais respeitada – para que a Carta das Nações Unidas, um sonho bom de Kant, não se torne letra morta. Quem tivesse dúvidas sobre algumas previsões feitas no momento certo, agora vê-las-á infelizmente dissipadas. Os mortos de 19 de Agosto são vítimas de um acto contra a solidariedade de quem tinha ido para o Iraque com o único propósito de ajudar o povo iraquiano e “contra os restos de ordem internacional que a ONU signifique” – como afirmava João Bénard da Costa num texto oportuno vindo a lume na semana que passou (Público, 22.8.03). O caminho perigoso para o “choque das civilizações” tem de ser interrompido. Precisamos de mais diálogo inter-religioso, cultural e político. Árabes, cristãos e judeus, dispondo de uma herança comum e da referência angular ao Livro inspirado por um mesmo Deus único, têm de se encontrar, de pôr em comum projectos de futuro! João Paulo II tem feito, com irrepreensível coerência, esse discurso e os factos, um por um, têm confirmado a sua razão. Quase sessenta anos depois do fim da Grande Guerra, parece desvanecer-se a memória do horror e do totalitarismo. É fundamental que as novas gerações não esqueçam – para que não continuemos na escalada irracional e trágica da violência.

Guilherme d`Oliveira Martins

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