A Vida dos Livros

De 24 a 30 de outubro de 2016.

“Estudos Históricos e Económicos” de Alberto Sampaio (Chardron, 1923) é uma obra pioneira na literatura portuguesa. Luís de Magalhães foi quem organizou os dois volumes, cuja leitura é ainda indispensável para compreendermos a formação e consolidação de Portugal, nas suas componentes estruturais.

UM EXEMPLO MARCANTE

Alberto Sampaio (1841-1908) deve ser considerado na Geração de 1870 como um elemento marcante na história da cultura portuguesa. Como diz o seu devotado amigo Luís de Magalhães: “Em Guimarães ou na casa paterna de Boamense, em Famalicão, passou, pode dizer-se, quase toda a vida. Os cuidados agrícolas e as pesquisas históricas absorviam-no. Apenas os interrompia para se dedicar a alguns trabalhos que interessassem a sua terra natal, como foi a importante exposição industrial de Guimarães em 1884, de que ele foi um dos principais organizadores. Depois do famoso conflito entre Braga e Guimarães, no mesmo ano, quiseram elege-lo deputado. Recusou inabalavelmente. Ele, tão ilustrado, tão sabedor, dizia que lhe era impossível falar diante de vinte pessoas juntas”. Realizou importantes estudos históricos, que iniciaram entre nós a disciplina da História Económica – com três trabalhos capitais: “A Propriedade e a Cultura no Minho”, “As Villas do Norte de Portugal” e “As Póvoas Marítimas do Norte de Portugal” reunidos graças ao empenho de Luís de Magalhães. Através de Antero de Quental tornou-se amigo de Oliveira Martins, com quem desenvolverá uma atividade fundamental no campo legislativo. Hoje ninguém deixa de reconhecer a grande importância do projeto de lei de Fomento Rural e Emigração apresentado por Oliveira Martins nas suas funções de deputado (1887). Para Sampaio o estudo da História constituía não apenas um motivo de pesquisa científica, mas um modo de compreender a evolução da sociedade e da economia. Foi assim que O.M. pediu a Alberto Sampaio uma ajuda preciosa.

 

UMA ESPÉCIE DE BENEDITINO

Com grande modéstia, Alberto Sampaio era uma espécie de beneditino trabalhando pacientemente as suas obras, investigando com meticulosidade as suas fontes e os seus documentos, escrevendo com escrúpulo vernáculo, numa língua simples, clara, elegante na sua sobriedade, nobre na sua despretensão, onde se sentia ainda a frequência dos clássicos e o salutar influxo do mestre ilustre que ele amava como homem e admirava como escritor – Alexandre Herculano.» Em “A Propriedade e a Cultura no Minho”, Alberto Sampaio é claro nos pressupostos de que parte. «A propriedade, consequência do trabalho exercido sobre o solo, adaptar-se-á, antes de tudo às circunstâncias particulares de cada zona, recebendo, em seguida, a impressão do modo de ser moral dos homens, mais ou menos modificado pelos acontecimentos históricos». Importaria, porém, estudar as “villas” romanas, agrupamentos urbanos intermédios que o historiador desejava compreender. «Quando as legiões de Augusto penetraram na região cisduriana (diz Magalhães), catorze anos depois de Cristo, encontraram-na na posse duma raça brava e aguerrida, de origem celta, segundo uns, ligúrica, segundo outros, que vivia acantonada nas suas citânias ou cividades, povoações cintadas de muralhas, erguidas em pontos elevados, sob o presumível regime da dominação dum chefe, mais pastores do que agricultores, e usufruindo em comum as terras que cercavam as habitações urbanas. A “villa” da colonização romana constitui a base estrutural do povoamento. No meio da propriedade, o senhor reserva um espaço para cultivar por conta própria junto ao solar onde reside e onde, nas mãos do feitor está a administração rural. Junto do solar está o celeiro e a villa rústica onde se alojam os servos e os godos. Espalhados pelo vasto domínio agrícola estão as casas e os casais, onde habitam os caseiros. O regime da terra, com a colonização romana, passou assim de pastoril para agrícola.

 

COMPREENDER AS CIRCUNSTÂNCIAS ECONÓMICAS

Depois do século VIII e até à reconquista cristã esta estrutura é alvo de perturbação e de uma relativa instabilidade que dá lugar à reorganização medieval. Junto do solar ou do palácio surge o templo cristão – a igreja. «E a Igreja concentrava em si (lembra ainda Magalhães) a vida moral das famílias, congregadas, antes, pelo regime económico das villas». Assim surgiu a freguesia rural, dando origem a uma unidade eclesiástica que, nos nossos dias, se tornou unidade administrativa. Em suma, considerando a evolução da investigação historiográfica do tempo Sampaio dá-nos uma continuidade extremamente clara sobre a evolução da propriedade no ocidente peninsular – desde que o império romano estabeleceu o regime das villas até que estas se fragmentaram pela jurisprudência bárbara neo-goda, pela repartição em doações da coroa da terra aquando da reconquista cristã. Progressivamente o senhor desaparece e é substituído pelo cavaleiro. A villa fragmenta-se, retalhada pelas doações. Mas a toponímia mantém-se em geral, achando no português formas corruptas das velhas designações latinas. Hoje ainda consideramos notável o modo como Sampaio trata os temas do povoamento de Portugal ao longo dos séculos. Sentimos como se foi construindo gradualmente o Portugal contemporâneo.

 

VILLAS E PÓVOAS MARÍTIMAS

A relação com o mar e o povoamento do litoral são aspetos da maior importância. As incursões navais, primeiro da pirataria normanda, depois da pirataria árabe, tinham varrido das nossas ribas marítimas as suas pacíficas populações. A linha costeira era, de contínuo, invadida, talada, devastada por esses senhores do mar e, com o tempo, tornou-se num deserto. Os povos procuravam a sua segurança nas defesas naturais do interior. Um cruzado inglês que, num relato da sua viagem para a Terra Santa, descreve a nossa costa do Norte, indica como povoações mais próximas do mar (…). Até lá, eram talvez, charnecas inabitadas.” Pode dizer-se que as “Villas” e as “Póvoas Marítimas” são decisivas para o esclarecimento das nossas origens históricas. «Portugal, que fora, lentamente, durante a primeira dinastia, (…) assentando na terra as bases da sua vida económica, mudou, subitamente, de rumo, fazendo-se ao mar e sulcando-o, aventurosamente, na esteira do maior e mais belo sonho imperialista que os povos modernos sonharam. A terra foi abandonada. O lavrador fez-se navegante e mercante. E, assim, em três séculos, ele viveu dos produtos dos seus domínios, do cravo e da pimenta da Índia e, depois, do oiro e dos diamantes do Brasil. Até que, perdidos, sucessivamente, esses que foram os nossos impérios do Oriente e do Ocidente, se encontrou de novo em face dos mesmos problemas, das mesmas necessidades económicas a que os nossos primeiros reis tão sabiamente souberam aplicar a sua ação administrativa.»

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença
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