REFLEXÃO DA SEMANA
De 21 a 27 de Fevereiro de 2005
Cesário Verde nasceu há 150 anos em Lisboa, na freguesia da Madalena – a 25 de Fevereiro de 1855. Teve uma vida e uma obra brevíssimas. Por um triz, poderiam ter ficado esquecidos o seu génio poético e um sinal evidente de modernidade. Teve razão antes de tempo. E Ramalho Ortigão enganar-se-ia redondamente ao criticar “Esplêndida” (“Ei-la! Como vai bela! Os esplendores / Do lúbrico Versalhes do Rei-Sol / Aumenta-os com retoques sedutores.”) e ao aconselhar o jovem a tornar-se “menos Verde e mais Cesário”… A incompreensão foi a regra na recepção dos seus poemas. Esse facto amargurou o jovem poeta. Inconformista, dizendo-se praticante do “protesto franco e salutar em favor do povo”, Cesário foi um inovador sensível, inclassificável nas escolas e nos grupos. Não foi um literato profissional. Daí os dissabores. Viveu entre a casa comercial do pai, a loja de ferragens da Rua dos Fanqueiros, o campo, de Linda-a-Pastora ao Paço do Lumiar, e a poesia nas horas vagas. Dirá: “Pobre da minha geração exangue / De ricos!”. A sua originalidade esteve em pôr o concreto na primeira linha da sua criação. Um dia disse, para nossa surpresa: “Eu sou frio, pausado, calculista como todas as organizações criadas neste meio comercial”. Quando o lemos, não acreditamos. E, no momento em que o seu amigo Silva Pinto o levou até ao Dr. Sousa Martins, já com a sentença traçada da inexorável tuberculose, disse maquinalmente ter como profissão “empregado no comércio” – mas logo pediu que fosse explicado ao médico, que ele não era o Sr. Verde empregado no comércio… O contacto com o concreto tornou-o moderno, numa sociedade de progressos materiais e de melhoramentos (“Sei só desenho de compasso e esquadro, / Respiro indústria, paz, salubridade.”). Cesário foi um citadino, um cosmopolita – “Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo”… Lisboa era uma encruzilhada de sensações, matéria-prima ideal de “O Sentimento de um Ocidental”. Cesário abriu caminho ao século XX, quase sem se aperceber disso. E ficou para trás o lirismo superficial e pobre! Romantismo, realismo, modernismo, surrealismo – todos se encontram em Cesário: “Ah! Ninguém entender que ao meu olhar / Tudo tem certo espírito secreto”… Almada Negreiros teria pensado em Cesário ao pintar os seus painéis? Que emoção ao ouvir: “E o fim da tarde inspira-me; e incomoda! / De um couraçado inglês vogam os escaleres; / E em terra num tinir de louças e talheres / Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda”. A 19 de Julho de 1886, Cesário morreu. Era o camponês que “andava preso em liberdade pela cidade”, como diria Alberto Caeiro. Em Abril de 1887, Silva Pinto publicaria “O Livro de Cesário Verde”, obra póstuma e única. Resistiu de novo o público. Mas o início do novo século trouxe a consagração, de quem tivera razão antes de tempo. Cesário, nosso contemporâneo!